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DIAL P FOR POPCORN

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THE KING'S SPEECH (2010)





“If I am King, where is my power? […] They think that when I speak, I speak for them.”

THE KING’S SPEECH acabou por se tornar, sem querer, no filme que mais me custou falar desta temporada de prémios (daí ter adiado esta crítica por tanto tempo; é-me muito difícil abordar este filme sem ser tendenciosamente malicioso). Transformado num vilão tão pouco convencional, um filme que até apreciei bastante – não tanto quanto outros, já francamente mencionados de novo e de novo aqui pelo blogue, como já sabeis – que, por ser tudo aquilo que é, acaba por ser o inevitável vencedor da maior noite do ano, os Óscares e roubar essa distinção ao filme que além de me ter enriquecido mais este ano, mais intelectualmente significativo, mais exemplarmente executado, com maior potencial para ser considerado o “nosso” clássico moderno e que mais requisitos tem para ser um dos clássicos eternos da história do cinema, THE SOCIAL NETWORK. Funciona como THE BLIND SIDE no sentido que defende e parte dos mesmos temas e situações e porque o contributo cinematográfico que dá é quase nulo; é no entanto bem diferente deste porque a produção e o elenco em jogo são de todo um outro nível.

 
E digo que era um vencedor inevitável porquê? Porque THE KING’S SPEECH é aquilo que é – uma película honesta, directa e sincera sobre o valor da amizade e sobre a forma como esta pode surgir das circunstâncias mais imprevisíveis. Sobre o valor do triunfo sobre a adversidade e a desadequação. Sobre o que é estar na mó de baixo e reerguer-se. É um tema que diz respeito a todos nós, que a cada um despertará emoções e sentimentos diferentes, é reconfortante, é familiar, é afável e agradável e depois de o vermos sentimo-nos melhores pessoas. É verdade. É tudo aquilo que a Academia busca para ser um vencedor de Melhor Filme. Uma obra que apele a valores universais, ao poder da Humanidade e à sua capacidade de superação. Se é uma obra-prima? Longe disso. Também não me parece que o tente ser.

 
A cena que mais me diz a mim – de todo o filme – é a cena inicial. THE KING’S SPEECH principia com o discurso do Príncipe Albert – que mais tarde se tornaria Rei George VI (Colin Firth) – na abertura da exposição do Império Britânico no estádio de Wembley. O discurso desastroso é apenas o mais pequeno detalhe em que se repara na cena; os nossos olhos estão mais focados na panóplia de emoções que George demonstra num curto espaço de segundos – a raiva, a tristeza, o medo, a exasperação, o sofrimento, a redenção, uma expressão de completa agonia e miséria – e na expressão facial da sua mulher, aquela que viria a ser Rainha Elizabeth (Helena Bonham-Carter), encobrindo o pior sentimento que uma mulher pode manifestar pelo seu homem, a pena, através de uma falsa simpatia e encorajamento que na realidade escondem a sua revolta por não poder fazer mais por ele senão estar ao seu lado.

 
Elizabeth decide então pôr mãos à obra e procurar os serviços de Lionel Logue (Geoffrey Rush), um australiano que tenta desesperadamente ter o reconhecimento dos britânicos, um homem frustrado pelo seu insucesso como actor, que aplica a sua teatralidade nos exercícios de terapia da fala que realiza com os seus pacientes. O pano de fundo do filme, o que lhe confere textura e ressonância emocional, se quisermos, advêm daqui, da relação entre Logue e George, no início bastante acidentada dada a resistência inicial do Príncipe aos métodos ortodoxos do australiano, que começa a evoluir a partir do momento em que Logue se torna, para George, mais do que o seu médico, o seu confidente, o seu amigo de todas as horas e ambos abandonam as diferenças de hierarquia e poder que existem entre eles.

 
Eu admito que é francamente fácil enquadrar THE KING’S SPEECH como uma história simples mas poderosa de triunfo sobre as adversidades: afinal, é da história de um monarca que teve de ultrapassar um impedimento que o afligia e o inferiorizava para se tornar no líder que a Grã-Bretanha precisava na alvorada da II Guerra Mundial que estamos a falar. O seu discurso final, por tudo isto, seria sempre um agradável propulsor de alegria e êxtase na audiência que assiste ao filme. Que a história se torna muito mais do que isto é de agradecer a David Seidler, que não escrevendo um argumento tão intrinsecamente detalhado como Lisa Cholodenko ou tão imaginativo e complexo como Christopher Nolan ou tão expositivo como Mike Leigh consegue ainda assim pegar no maior desafio da vida deste homem e mostrar-nos que qualquer um de nós, face a algo que nos incomode, tem a obrigação de perceber que está dentro de nós a força para mudar a situação. A equipa de técnicos por detrás do filme está também de parabéns, seja o fotógrafo por optar por planos mais intimistas e profundos do que o que estamos habituados em outros filmes da realeza, seja a direcção artística por se ter divertido com certos cenários, seja o guarda-roupa com pormenores irrepreensivelmente correctos. 

 
E falta falar de Tom Hooper, o realizador que é conhecido por ser, acima de tudo, um mestre de actores. Nota-se aqui. As interpretações de Rush e Firth funcionam como uma só, sendo que me é impossível dissociar o mérito de um e de outro. Firth terá certamente tido o papel mais exigente – numa interpretação meticulosa, controlada, cuidada mas refrescante e sincera, que tem o condão de comunicar e mostrar imenso sem usar palavras – mas não terá sido fácil a Rush diminuir o nível habitual de força e desenfreio que pautam nas suas performances. O elenco secundário (Helena Bonham-Carter, Timothy Spall, Guy Pearce, Eve Best, Claire Bloom e Michael Gambon) também brilha por entre estas duas interpretações, mas são essas duas que essencialmente constroem o filme.

 
THE KING’S SPEECH resume-se, afinal, a isto: a uma relação muito especial entre dois homens, que serve de base a Hooper e a Seidler para nos contar a história de um tempo no passado em que um homem, que viria a tornar-se rei, sofria de uma complicação que o impedia de ser aquilo que dele era esperado. E foi precisa a amizade de outro homem, tão longe em termos nobres dele, para que ele percebesse que ele possuía todas as armas que necessitava para poder ultrapassar tal complicação. É um filme para todos, que agrada a todos, que nos toca e nos comove, que nos faz sentir que o ser humano é extraordinário na forma como encara e supera os desafios que a vida lhe traz.


Nota Final:
B+

Informação Adicional:
Realizador: Tom Hooper
Argumento: David Seidler
Elenco: Geoffrey Rush, Colin Firth, Helena Bonham-Carter, Guy Pearce, Michael Gambom, Claire Bloom, Eve Best, Timothy Spall
Banda Sonora: Alexandre Desplat
Fotografia: Danny Cohen
Ano: 2010

Trailer:

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