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DIAL P FOR POPCORN

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Maratona Meryl Streep: Anos 70

Este artigo faz parte da nossa semana especial dedicada a Meryl Streep, intitulada apropriadamente Maratona Meryl Streep by Dial P For Popcorn. Vamos analisar os títulos mais importantes da sua filmografia e vamos tentar perceber como foi a sua carreira, como foi cada uma das suas nomeações aos Óscares e como é, portanto, a pessoa, a actriz, a mulher que se chama Mary Louise Streep.



Vamos então analisar a primeira década de cinema em que Meryl Streep trabalhou. Aviso desde já é que optarei sempre por abordar os filmes que fazem das personagens de Meryl focos de acção ou pelo menos surgem para desenvolvimento, não apenas personagens unidimensionais que surgem uma ou duas vezes em todo o filme.


Mary Louise Streep, que tinha começado a interessar-se pela representação no seu tempo em Vassar (universidade da qual se formou em 1971), tomou essa opção de vida ao ser admitida no curso de Drama em Yale, no qual se formou com distinção. Participou então em diversas peças no panorama teatral nova-iorquino enquanto ao mesmo tempo trabalhava em part-time como empregada de mesa. Contudo, com o seu talento, era mais do que óbvio que faria a transição para outras formas de expressão da sua arte de maior dimensão. Começou por fazer alguns tele-filmes até que o seu primeiro grande papel surgiu.


Em 1977, aos 27 anos, Meryl Streep principia a sua carreira no cinema, no filme "Julia", de Fred Zinnemann, protagonizado por duas gigantes da geração anterior à de Meryl, Vanessa Redgrave e Jane Fonda. A sua Anne Marie torna-se, sem querer, um dos (poucos) pontos de interesse do filme, que, não obstante os cinco Óscares e onze nomeações conseguidos, não foi muito do meu agrado. Meryl, no entanto, através da sua presença, da sua expressividade e da forma impressionante como rouba cenas às duas cabeças de cartaz (coisa que fará habitualmente por mais uns anos, como veremos, até ser considerada uma cabeça de cartaz ela mesma), através da forma cativante, diria até mágica, como lê as entrelinhas das falas que tem que pronunciar, é bestial.


No filme, de resto, salva-se a magnífica interpretação de Vanessa Redgrave, que lhe rendeu (justificadamente) o Óscar. Anne Marie é a típica socialite: aquela que sabe sempre o que dizer não importa a situação; aquela que parece que não se importa com o que os outros pensam; aquela que até compreende os outros, mas a quem não lhe interessa muitos os seus problemas; aquela que tem um pouquinho a mais de egocentrismo. Mas num papel que podia resultar num mero estereótipo ou caricatura, Meryl pega e transforma num indivíduo sobre o qual queremos saber genuinamente mais.

Depois deste sucesso menor, era certo que Meryl Streep procuraria vôos mais altos e uma actriz bonita, charmosa e talentosa como ela teria com certeza grandes papéis a serem-lhe oferecidos. Um ano volvido, em 1978 (nesse mesmo ano casaria com Don Gummer), Meryl vai à caça de um dos maiores papéis femininos desse ano: Linda em "The Deer Hunter", contracenando com Robert DeNiro e Christopher Walken.



"The Deer Hunter" é um dos melhores filmes de sempre, com três excelentes interpretações (uma das quais - Walken - venceu o Óscar), com uma história fantástica e com uma lição inspiracional importante (a de que a guerra muda as pessoas - muda as suas vidas, muda as suas personalidades, muda lugares e destrói-os por dentro.


Meryl Streep faz um excelente trabalho com a sua personagem, Linda, uma belíssima, inocente e divertida rapariga, indiferente ao mundo em seu redor, que vê o seu namorado Nick (Walken) partir para a guerra no Vietname com mais dois amigos, tendo só o seu melhor amigo, Michael (De Niro), voltado (os três fogem à guerra, mas só Michael decide voltar para casa - por causa de Linda).


Os dois, que já possuíam incrível química e tensão quando Nick estava presente, entregam-se por completo um ao outro, funcionando isto como que uma espécie de conforto, de consolo, pela falta do ente querido. Streep joga bem com a caracterização da sua personagem - uma típica mulher que só se consegue ver definida pelo homem que a ama, uma mulher para sempre dividida entre dois amores, uma mulher a quem tinha sido roubada a felicidade e que encontrou noutro homem uma forma alternativa de ser feliz - e aproveita os momentos em que surge no filme para se dar bastante bem a conhecer.

Este trabalho valer-lhe-ia uma nomeação para o Óscar de Melhor Actriz Secundária que, mesmo tendo perdido para Maggie Smith (falaremos disso noutro artigo, dedicado às suas duas primeiras nomeações), faria de Meryl Streep a actriz mais cobiçada da altura e certamente colocava-a em posição priveligiada para da próxima vez que fosse nomeada, ser consagrada. E nem foi preciso esperar muito.


Em 1979, Meryl Streep garantiu três excelentes papéis femininos: foi a amante e colaboradora de Joe Tynan em "The Seduction of Joe Tynan", um papel completamente díspar do de Linda em "The Deer Hunter" (uma mulher independente, com uma carreira) mas que tem um ponto em comum (ser a amante de outro homem); foi a ex-mulher do (personagem de) Woody Allen em "Manhattan" (um dos melhores filmes de Allen, no qual mistura tudo o que sabe fazer melhor, no seu cenário preferido: Nova Iorque), no qual interpretou Jill, a ex-mulher de Isaac, virada lésbica, que ameaça publicar um livro no qual conta todos os segredos da sua relação; e foi Joanna Kramer, a mulher de Ted Kramer (Dustin Hoffman), em "Kramer vs. Kramer".


Neste último, Meryl é estonteante. A sua Joanna Kramer brilha nas poucas cenas em que aparece, mostra-nos em alguns segundos uma quantidade infindável de defeitos e qualidades, faz-nos preocupar com ela, faz-nos odiá-la, faz-nos obcecados em saber porque ela é assim, faz-nos agoniados de ver a transformação que sofreu, faz-nos sentir traídos pelo que faz a Ted e finalmente faz-nos sentir-nos culpados por odiá-la. A cena no tribunal, em que se revela - a ela e à própria Meryl - é de génio. Aquele rosto. Aquela expressividade. A forma como fala. O que deixa transparecer. É talento puro.


A outra cena que eu realço é a inicial, a da sua partida. A forma como começa ternurenta, progride para total acidez e frieza com o marido e termina com ela lavada em lágrimas, cheia de receio mas determinação, cheia de ódio por si própria mas confiante da sua decisão. Ela assombra-nos o filme todo e mesmo após. É uma performance cheia de força, um verdadeiro tour-de-force, que merecidamente lhe deu um Óscar.


Os anos 70 acabavam com Meryl Streep em alta. Era sem dúvida uma das estrelas mais ascendentes de então e os anos 80 só serviriam para consolidar essa ascensão no panteão da glória eterna.

- Na capa da "Times", 1981 -

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