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DIAL P FOR POPCORN

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JANE EYRE (2011)


"You're a full human being."

Numa altura em que tanto se fala pelos lados de Cannes em candidatos precoces à cerimónia dos Óscares de 2012, passou de mansinho cá por Portugal o primeiro legítimo candidato a essa mesma época. Depois de "Sin Nombre", um dos melhores filmes de 2009, Cary Fukunaga ficou na retina de todos os cinéfilos como um dos realizadores a seguir no futuro e portanto, foi com muita expectativa - mas também apreensão - que o vimos pegar em algo completamente diferente para o seu segundo filme, um verdadeiro desafio às suas qualidades enquanto realizador: o aclamado clássico JANE EYRE, a obra-prima romântica - e semi-autobiográfica - de Charlotte Brönté, a irmã de Emily Brönté ("Wuthering Heights"). Depois das diversas vezes que foi alvo de adaptação, nas quais se incluem duas longas-metragens e três mini-séries, é-me de todo surpreendente que Fukunaga tenha encontrado uma voz distinta nesta sua JANE EYRE, que tenha arranjado tanto de novo e significativo para dizer, que tenha conseguido pintar um retrato completamente resplandecente, absorvente e apaixonante desta heroína dos tempos de heróis byronianos e que tenha criado uma obra tão singular quanto admirável e, sobretudo, com a mesma qualidade do seu primeiro filme. De qualquer forma, já não me devia de surpreender com estas coisas - é assim mesmo com os grandes realizadores...

 
JANE EYRE (Mia Wasikowska), como se sabe, é uma jovem rapariga que, embora nascida nobre, fora enviada para um orfanato pela sua tia, Mrs. Reed (Sally Hawkins num pequeno mas delicioso papel) onde aí cresceu sendo ensinada para se tornar numa perceptora - uma espécie de tutora dos dias de hoje. Aos seus 18 anos, foi contratada para tomar conta de Miss Ravens (Romy Moore), uma menina aos cuidados do mestre da mansão de Thornfield Hall, Mr. Rochester (Michael Fassbender). Rochester é bruto, rude, vil e frio - como qualquer herói byroniano, é um homem valente e cheio de espírito mas fragilizado e com defeitos. Ainda assim, o seu súbito interesse na jovem Jane Eyre permitem-nos ver que existe mais para além dessa faceta dura que ele monta para as restantes pessoas, levando a que esta se apaixone por ele. Parece, de facto, a história de um amor impossível, porque o é - como muito bem a avisa Mrs. Fairfax (Judi Dench), a governanta da casa - Rochester guarda um peso inestimável nas suas costas, um segredo que consome a sua alma. Será que Jane e Rochester vão conseguir ultrapassar todos os obstáculos no seu caminho? É o que o filme nos leva a saber.


O que me surpreende nesta adaptação de Fukunaga é ter percebido o quanto ele e Moira Buffini, a argumentista, conseguiram retirar das páginas do livro, reduzindo em muito o volume de texto mas conservando o poder, o enigma, a reviravolta e o suspense que este mantém. Fukunaga e Buffini perceberam o que está por detrás do virtuosismo e idealismo de Jane Eyre, o que leva Rochester a escolher tão estranha e pobre criatura para seu igual, que a atracção entre ambos não se baseia no medo que a primeira sente pelo segundo mas sim na pena - Rochester precisa do idealismo de Jane para sobreviver, Jane necessita do apoio de Rochester para se libertar. O realizador e argumentista trabalharam bem na forma como pegaram nas noções muito próprias dos romances góticos deste tipo e aplicaram bem a intensidade emocional e a ressonância para os dias de hoje que também reside no livro e escolheram na perfeição os dois actores para interpretar os dois papéis: Mia Wasikowska carrega o filme às costas com uma leveza e subtileza própria das grandes actrizes, numa interpretação tão corajosa quanto impressionante. Michael Fassbender é o perfeito Rochester. Ele percebe bem a dualidade de personalidade que tem que exibir, percebe bem qual a interacção a ter com cada membro do elenco que interage com ele na película, consegue ser forte e bravo e ao mesmo tempo tão frágil que nos leva a ter pena de uma forma tão profunda que quase nos vêm lágrimas aos olhos. Não tenho qualquer dúvida em afirmar que é o melhor actor da actualidade e, se lhe forem dados papéis à sua altura, não tardará muito a que o mundo todo se apaixone por ele da mesma forma que Jane - e o público que assistiu a JANE EYRE - já está. Mesmo Jamie Bell, Sally Hawkins e Judi Dench (a sua Mrs. Fairfax conta tanto sobre a vida em Thornfield e sobre o seu patrão em meras poucas palavras e, às vezes, só por expressões e pelo tom de voz), em papéis secundários, brilham nas suas respectivas cenas.


Com um estilo visual muito próprio - uma fotografia de incomparável beleza, repleta de voluptuosos cenários e cenas de extraordinária sensibilidade poética, uma banda sonora de Dario Marianelli tão arrepiante quanto enternecedora, um arrojado guarda-roupa e imaginativa direcção artística -, um realizador e uma argumentista em grande forma e um elenco formidável, JANE EYRE é, finalmente, a adaptação pela qual muitos fãs do romance de Brönte (entre os quais me conto) ansiavam.  De tirar o fôlego, de assombrar-nos por uns dias, é um filme que por duas horas, pelo menos, nos espanta todos os males e preocupações enquanto nos envolvemos, nos questionamos, nos preocupamos, nos afligimos e choramos e finalmente nos encantamos e apaixonamos com a história do amor proibido de Jane e Rochester. Depois de o vermos, nunca mais ficamos os mesmos. Eu, sem dúvida, não vou ficar.



Nota:
A-

Informação Adicional:
Realização: Cary Fukunaga
Argumento: Moira Buffini
Elenco: Mia Wasikowska, Michael Fassbender, Judi Dench, Jamie Bell, Sally Hawkins
Música: Dario Marianelli
Fotografia: Adriano Goldman


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