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DIAL P FOR POPCORN

DIAL P FOR POPCORN

WHIPLASH, de Damien Chazelle

À Birdman:

"WHIPLASH, ou O Inesperado Narcissismo de um Artista" 

 

 

Eu gosto de um bom filme sobre o sacrifício na arte. E gosto de jazz. Não gosto, contudo, quando um filme que tanto é aclamado por abordar estes temas não tem uma ideia que de jeito se aproveite sobre eles, nem sobre originalidade, criatividade, talento ou inspiração. Um filme que ironicamente celebra a moral de que ser um sacana intratável é que resolve as situações e que apresenta uma ideia tão distorcida quanto parva de um vale tudo entre um artista torturado (Milles Teller a contrariar registo recente e a fazer de choninhas) e um louco sadomasoquista desde que no final o rapaz chegue "lá" (onde, especificamente, não importa). 

 

Olhem para o esforço do gajo. Tanto suor, tanta bolha, tanto sangue. Não vai aguentar, não tem hipótese. Olha para aquele mentor, que sádico, que demoníaco, que tortura física e psicológica, não se faz. E olha esta música tão acelerada. E olha para ele a dar-lhe cada vez mais rápido. Até a mim me está a dar uma taquiarritmia. Só que não.

 

 

Cinco minutos do JK Simmons (que está bem, de facto, embora só lhe dêem uma nota para entoar ao longo de todo o filme) e já dá para tomar o gosto a todo o arco da personagem. Claramente que o Sr. "ninguém estraga a minha banda" faria precisamente isso só porque acredita que um dos seus alunos pode ir mais além. Plausibilidade. Um grande problema deste "Whiplash".

 

(esperem, ainda estou a palpitar com a sequência do moço a praticar para o grande espectáculo final, a fazer inveja à sequência de treino do "Rocky"...Também tocou a "Eye of the Tiger" lá pelo meio dos tambores e dos pratos a serem percutidos a alta velocidade ou fui eu que imaginei coisas? Não?)

 

E que dizer de uma cena na transição do segundo acto que é tão ridícula quanto surreal que só serve para repisar - uma vez mais, porque as vezes que já tinham sido intuídas ao longo do filme não eram suficientes - que o rapaz é capaz de morrer pela sua arte. Que dizer ainda da introdução da personagem feminina que só serve para o filme poder cumprir uma checklist de eventos narrativos (bem como o pai) para poder avançar o enredo (momento! momento! momento! - uma manta de retalhos de cenas críticas, coladas com a perfeição de um relógio suíço, disfarçadas na coesão pelo conteúdo musical que ensurdece até o mais atento dos espectadores). Que dizer, só para terminar, daquela cena final (depois das múltiplas vezes que revirei os olhos por não conseguir conter mais o meu cepticismo) que só pode ser possível no mundo de um esquizofrénico? É que no mundo real não é seguramente.

 

 

Se calhar o problema é meu por não me ter embrenhado na experiência. Style over substance. Será isso? Este Chazelle parece que andou a ver como imitar o "Black Swan" e outros semelhantes. Até técnicas semelhantes às do Aronofsky usa. Só que onde este usa a iconografia e simbolismo para acrescentar profundidade à cada vez maior deteroriação psíquica da sua protagonista, Chazelle aplica para relembrar (como se fosse preciso) que o esforço do rapaz na sua busca pela perfeição está a ser demasiado para ele aguentar. Uma vira louca, o outro colapsa da ansiedade e cansaço. Nem comparemos a riqueza estilística de ambas as abordagens.

 

No final do dia, pouco sumo consegui retirar do que "Whiplash" quer dizer, mesmo sobre a sua própria história do custo de ser uma lenda. O que é, afinal, ser grande? Não deu para perceber. Não desminto que o filme é interessante, todavia tentar fazer dele uma obra prestigiante, sobretudo quando nos lembramos da queda virtiginosa da plausibilidade da película quanto mais o filme progride e quando, no fundo, o filme pouco mais parece do que a curta-metragem que lhe deu origem em loop... É esticar a corda.

GONE GIRL, de David Fincher

No cinema há poucas coisas melhores do que um bom filho da mãe.

 

 

Gone Girl tem, muito provavelmente, o melhor argumento americano de 2014. Eu ainda não vi tudo o que anda por aí, ainda há algumas boas histórias por estrear, mas poucas vão desafiar tanto um espectador como o incrível romance de Gillian Flynn. Um sucesso nas livrarias que Fincher transportou para o cinema.

 

 

Uma relação apaixonante, ardente, um casal eletrizante, de uma cumplicidade hipnótica, magnética, deixa tudo para trás na cidade que os juntou, Nova Iorque, para se refugiar no esquecido Missouri, terra natal de Nick Dunne (Ben Affleck). O que para um foi um passo em frente, para outro foi o principio do fim. Amy Dunne (Rosamund Pike) contou cada segundo, conheceu cada recanto da sua nova casa e habituou-se a viver na solidão. Até ao dia em que se fartou de ser elemento de decoração.

 

 

Os problemas de Nick começam no momento em que se esquece da mulher por quem se apaixonou. No cinema há poucas coisas melhores do que um bom filha da mãe. E um filho da mãe não se deixa enganar. Quando Nick chega a casa e se apercebe que a sua mulher desapareceu não imagina o sarilho em que está metido. David Fincher brilha, Gillian Flynn (que adapta o seu romance à grande tela) brilha, Ben Affleck complementa Rosamund Pike (a única nomeação para Oscar que o filme conseguiu - triste academia).

Vertiginoso. Claustrofóbico. Em Gone Girl não existem limites.

[Caça ao Óscar]: Montanha Russa

A Caça ao Óscar é uma nova rubrica (que espero lançar todas as segundas) em que discutimos as movimentações, qual tabuleiro de xadrez, na corrida aos principais prémios - sobretudo os Óscares da Academia.

 

Estamos num ano de corrida aos Óscares bastante interessante. Bem, quer dizer, se excluirmos a previsibilidade de Julianne Moore ser coroada melhor actriz (e até que enfim, bem merece ela um ano de rolo compressor), bem como J.K. Simmons e Patricia Arquette limparem tudo o que é prémio à face da Terra. Arrumando esses três troféus que estão, de facto, já resolvidos, a situação adensa-se, com a atribuição dos Screen Actors Guild (SAG) e dos Producers Guild Awards (PGA), os prémios dos actores e dos produtores, esta semana, a darem umas pinceladas de mistério a duas corridas que pareciam decididas. Eu sei que parece pouco, mas com a Academia, é gigante.

 

 

O Eddie Redmayne, assim devagarinho, vai arrancando o troféu das mãos do Michael Keaton. Parece impossível, pensam vocês, como é possível um veterano actor tão respeitado como o Keaton não ter a estatueta quase garantida. Pois. É que o pintarolas do Redmayne é britânico (pontos bónus instantâneos - ou não fossem os SAG lembrar-nos ontem que ainda passa na televisão Downton Abbey, tal a obsessão que os americanos têm com o reino de sua Majestade), tem charme na carpete vermelha (coisa em que o pobre do Keaton já não se safa) e faz de Stephen Hawking - que, caso não saibam, é uma pessoa viva (mais pontos), famosa (mais pontos), com uma deficiência/doença grave (pontos infinitos). As contas não estão muito favoráveis para o antigo Batman, não é verdade?

 

A situação até parecia bem encaminhada: cada um levou o seu Globo para casa, depois um Critics' Choice para o Keaton e parecia que os SAG também iam tombar para o Keaton (actores a premiar actores, seria natural que aquele que trabalhou com mais gente na sala ganhasse) e os BAFTA iam coroar o Redmayne, levando a corrida até ao fim. Ora que os SAG, tão dados a seguir a corrente (ou não), premiaram o Redmayne. Resta-me dizer que 17 dos últimos 20 vencedores do SAG levaram o Óscar para casa, os últimos dez consecutivamente (incluindo moços como o Jean Dujardin). Logo... Pobre Michael Keaton. É possível recuperar? Bem, eu acho melhor o Eddie começar a preparar o discurso...

 

 

A outra grande reviravolta na corrida que saiu dos SAG ontem à noite foi a vitória de "Birdman" para melhor elenco. À partida, não quer dizer nada ("American Hustle" venceu em 2013, por exemplo; "The Help" em 2012). Mas se juntarmos a vitória nos PGA começa a cozinhar-se aqui algo de interessante. É que com isto tanto "Boyhood" como "Birdman" têm um precedente peculiar que se coloca contra eles na corrida - e para um deles ganhar, vão ter que quebrar recorde. 

 

"Birdman" será, vencendo o Óscar, o primeiro filme em 26 anos (desde "Ordinary People") a vencer o prémio sem nomeação para melhor edição (uma das categorias da parte inicial dos Óscares que costuma indicar qual o vencedor; uma espécie de boost das apostas, se quiserem). "Birdman" tem ainda a agravante de ter perdido o Globo (para "Grand Budapest Hotel") e o Critics' Choice (para "Boyhood"). Há uma semana atrás estava arrumado. Agora, parece muito em jogo. Game point: Boyhood.

 

Mas esperem lá: o PGA normalmente alinha sempre com o vencedor do Óscar, só não o tendo feito em 3 anos (2003-2006) nas últimas décadas. E o PGA é o único precursor, como o Óscar, que é votado por boletim preferencial. Se somarmos o SAG, a percentagem de acerto ainda cresce mais. "Boyhood" seria o primeiro filme desde "The Departed" a vencer o troféu sem vencer o PGA. Estou a ver um "The Social Network"-gate a repetir-se. Game point: Birdman.

 

Ficamos à espera do que o DGA e os BAFTA ditarem. O primeiro, apesar de ser o prémio dos realizadores, consegue ser o melhor precursor para adivinhar o Óscar de melhor filme (uma ironia parva, a meu ver). Os segundos adoram ser patriotas por isso não se admirem de ver "The Imitation Game" fazer um saque nas categorias quase todas, salvo Redmayne.

 

O que ao menos me deixa contente é que se a corrida for entre "Birdman" e "Boyhood", todos ganhamos. São duas grandes conquistas por parte dos respectivos realizadores. Um deles um empreendimento brutal construído do nada ao longo de doze anos, uma experiência vital e efervescente do que é o cinema independente norte-americano. O outro uma quase obra-prima de um realizador na plena posse das suas capacidades, que englobando um elenco de luxo constrói uma lição sobre o narcissismo e espírito crítico do ser humano e do seu infinito potencial para se reinventar e ultrapassar obstáculos. Nenhum é o típico "filme de Óscar". Ambos me admiram conseguirem chegar a esta fase com aspirações legítimas a vencer. 

 

Eu só espero é que o "American Sniper" não venha arruinar os festejos. É que aquele pastelão do Clint já vai com 200 milhões de dólares ganhos na bilheteira. Já devia saber que o Dirty Harry não é para brincadeiras, mesmo aos 84 anos.

 

BIRDMAN, de Alejandro González Iñárritu

Ainda ouço a contagiante e inebriante batida que marca o passo de Birdman. Uma bateria frenética que transborda as emoções das personagens, que nos coloca dentro do carrocel criado por Iñarritu para transportar para a grande tela o fernesim do teatro, o rebuliço das cenas, a troca constante de personagens e de sensações, o sobe e desce, os dias em que lutamos por mais, queremos mais e conseguimos mais.

 

 

Quando a câmara se liga em Birdman, não mais volta a parar. Está comprometida com a história, comprometida com Riggan (Michael Keaton) e com o seu sonho. Tal como Michael Keaton, Riggan é uma velha porcelana de Hollywood, eclipsada, ultrapassada e esquecida após a intrepertação de um super-herói no princípio da década de 90. Keaton foi Batman, Riggan foi Birdman. Uma personagem da qual nunca se conseguiu desfazer, que o acompanha e atormenta diariamente, que o inferioriza e reprime. Que o rotula. Que o incomoda. Que o deprime. Que o enloquece.

 

 

Ladeados de um excelente elenco, onde Edward Norton se destaca com uma eloquência e um carisma há muito perdidos, Iñarritu e Keaton inventam cinema. Keaton é assombroso, num déjà vu daquilo que vimos com Mickey Rourke em 2008 (terá sido, também para ele, um last goodbye?). Quanto a Iñarritu, depois de me ter oferecido o meu filme favorito de 2010, Biutiful, muitos anos após me ter surpreendido com a energia mágica de Amores Perros, volta a enfeiticar-me. É preciso ver Birdman para perceber o importante caminho que Iñarritu está a percorrer no cinema moderno. E é obrigatório fazê-lo numa grande sala. 

Recomeçar

 

Não é o primeiro artigo de regresso deste blogue - o João já tratou dessa inauguração - mas é o primeiro artigo nesta plataforma nova à qual nos decidimos juntar. O antigo DPFP ainda vai permanecer aberto por mais algum tempo, mas dentro em breve reencaminhará directamente para aqui; por isso, caros amigos, anotem o endereço novo, que deixa de terminar em "blogspot.pt" e passa a ter "blogs.sapo.pt" no final.

 

Esta mudança acaba por funcionar como o culminar de uma necessidade de renovação, de recomeço, que sentíamos em relação ao DPFP. Este tempo afastados acabou por fazer-nos perceber que nos tínhamos esquecido em parte da ideia inicial que levou à criação do blogue. E então decidimos fazer um reset. Este reinício já pode ser visto com a nova rubrica iniciada pelo João, a [Couch] e continuará com novas rubricas que vamos introduzir por cá. Prometemos que vão ser mais leves e divertidas (vou tentar pôr um fim aos textos gigantescos)...

 

 

... e esperamos que estejam por cá para partilhar connosco, porque isto só tem piada com vocês desse lado. 

 

Também a nossa página do Facebook vai ser mais frequentemente actualizada, por isso vão espreitando o que por lá aparecer. Algumas vezes vão ser coisas parvas, algumas serão interessantes, mas vá a maioria será pelo menos informativa (ou assim eu espero).

 

 

 

De qualquer forma, não se preocupem - a génese da coisa vai-se manter - vou continuar a enbandeirar em arco com os Óscares e os Emmys e as infinitas cerimónias que existem, vou continuar a armar o escândalo por séries (olá The Comeback e Transparent!) que eu acho que toda a gente devia conhecer, vou continuar a reclamar de filmes que toda a gente adora (já falamos de ti, Whiplash!) e vou continuar a mencionar a Meryl Streep umas cinco vezes por semana (porque a Meryl é a Meryl). E... there will be GIFs. Muitos. Agora que descobri a sagrada arte dos GIF, tenham cuidado. 

 

Bem, espero que fiquem estejam por cá.

 

 

[Couch]: Broadchurch

Regresso, após um interregno demasiado longo, forçado pelo trabalho e pela falta de tempo, a um local onde encontrei o enorme prazer de escrever sobre o que me entusiasma tanto dentro como fora do grande ecrã.

Afastei-me dos cinemas. Acima de tudo afastei-me das estreias, do barulho irritante das palhinhas a sugar o que resta nos gigantescos potes de açúcar liquido que vão alimentando e sustentando os cinemas comerciais. O preço do bilhete de cinema é abusivo, indigno e ridículo. E ouvindo há uns meses atrás o João Botelho, numa das entrevistas promocionais ao seu mais recente filme, Os Maias, quando este se queixava da degradação da sala de cinema (como espaço onde se produz e difunde arte), disse qualquer coisa como "hoje em dia, os grandes escritores americanos perceberam que os adultos que gostam de cinema, abandonaram as salas. Não se identificam com aquilo que se produz e o modo como o produto é exibido. E então começaram a produzir para televisão,  a produzir séries que são cinema puro". E a verdade, a dura e triste realidade, não andará longe disto. Hoje em dia todos os grandes actores de Hollywood procuram o seu espaço na televisão. A sua série. O seu Don Draper, o seu Tony Soprano, o seu Lorne Malvo, a sua Carrie Mathison. Procuram deixar a sua marca também no pequeno ecrã. E a qualidade sobe a cada ano, a oferta televisiva é cada vez maior e melhor.

Por isso inicio aqui, hoje, um conjunto de breves crónicas rotuladas de [COUCH], onde vos apresento algumas das séries que descobri ao longo do último ano e meio. E que me convenceram, me prenderam ao televisor e me deliciaram. Séries que fariam mais pela educação do nosso povo do que a televisão portuguesa fez nos últimos 30 anos. Séries que não merecem passar ao vosso lado.



Começo por vos apresentar Broadchurch, um drama duro, magnetizante e sufocante. Uma série que viu começar há poucos dias a sua segunda temporada, e que surpreendeu a televisão britânica com uma primeira temporada humilde e despretensiosa, dividida em oito episódios, passados na cidade costeira de Dorset, o local onde dois detectives, Alec Hardy (David Tennant, ex-Doctor Who) e Ellie Miller (Olivia Colman) vão procurar o homicida de Danny Latimer, uma criança de 11 anos que aparece morta na praia da pequena vila inglesa. Acontecimentos sucedem-se e a narrativa, construída de modo inteligente, vai-nos descascando lentamente novos factos, misturando teorias e ludibriando as personagens e os espectadores. Com uma maravilhosa banda-sonora da autoria de Olafur Arnalds, um piano com uma batida eletrizante vai alimentando a série, vai-lhe dando alma e prepara-nos a cada episódio para o derradeiro final.