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DIAL P FOR POPCORN

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Personagens do Cinema - Léon


Um dos melhores filmes da década de 90. Um dos finais mais intensos, inesperados e dramáticos que alguma vez vi. Léon foi uma personagem desenhada bem ao jeito de Jean Reno, da qual se retirou todo o rendimento possível. Jean Reno, habitualmente um cinzento actor que passa ao lado da grande maioria dos filmes onde entra e que, no meu entender, já esgotou o stock de personagens francesas em filmes americanos, conseguiu ficar para a história neste surpreendente thriller que se tornou ainda mais badalado pela estreia de uma irreverente e carismática actriz de catorze anos: Depois de Léon, Natalie Portman ganhou um meritório lugar entre as mais promissoras actrizes da sua geração (rótulo que acabou por confirmar em Black Swan, onde encheu o ecrã e apontou uma das melhores interpretações dos últimos tempos).


Léon é um profissional da morte. Um hitman cheio de versatilidade, capaz de cumprir com perfeição todo e qualquer trabalho a mando de Tony (Danny Aiello), um poderoso mafioso que manobra todas as suas investidas no mercado da droga e corrupção a partir do seu restaurante. Solitário, reservado, misterioso, Léon vive sozinho num apartamento de Nova Iorque onde passa os dias com uma planta que trata com carinho e em quem deposita todo o seu amor.


A sua vida muda quando, por mero acaso, conhece Mathilda (Natalie Portman), uma jovem que apesar de ainda estar a dar os primeiros passos na adolescência, já revela uma maturidade e uma inteligência que de imediato captam a atenção de Léon. Após o assassínio da família de Mathilda, Léon acolhe-a e ensina-lhe aquilo que melhor sabe fazer: matar sem piedade. Numa busca incessante por Stansfield (Gary Oldman), o polícia corrupto que destruiu a família de Mathilda, Léon revela-se um coração doce e um amigo fiel. Um hitman que sabe matar por amor, um homem que se abre ao mundo que o rodeia e recebe, com felicidade e alívio, o que nele existe.

PSYCHO (1960)


Este artigo faz parte da minha participação na rubrica do The Film Experience Blog de Nathaniel Rogers, "Hit Me With Your Best Shot", na qual é-nos requerido escolhermos uma imagem icónica do filme em discussão nessa semana e justificar a nossa opinião. Esta semana a película em análise é um dos filmes mais reconhecidos universalmente, a fantástica obra-prima de Hitchcock, PSYCHO. Espero que gostem, de qualquer forma e que se juntem à conversação - e que vos incite a ver o filme. AVISO: Pode conter 'spoilers' uma vez que não é bem uma crítica mas uma análise ao filme.




O pormenor que considero mais fascinante em torno de PSYCHO é a minha firme crença de que o seu realizador, Alfred Hitchcock, soube desde sempre que este filme, cinquenta anos após a sua produção, iria estar tão enraizado na cultura popular que nunca mais ninguém iria olhar para filmes de terror, para cenas de chuveiro e para o matricídio da mesma forma. PSYCHO é, na sua mais pura essência, uma experiência aterrorizante, excitante, envolvente, que nunca perde o seu poder e potência seja esta a primeira vez que o vemos ou a décima.

 
Quando vemos a mulher à janela na mansão assustadora e de aspecto  decrépito e misterioso onde vivem os Bates pela primeira vez, não podemos deixar de ponderar na sua possível omnipresença na trama daqui para a frente. A expressão de estranheza, de curiosidade leve e cautelosa (tendo em conta o que sabemos hoje em dia de vultos em janelas sombrias no meio da noite, não seria a nossa expressão facial também parecida?) no rosto de Marion Crane (uma interpretação imensamente detalhada por parte da talentosa Janet Leigh), que havia fugido de Phoenix com 40,000 dólares roubados e que, em direcção a Fairvale para se encontrar com o seu amante Sam, por se encontrar cansada e assustada da viagem, decide pernoitar no Motel Bates, é também ela denunciadora. 

 
Mal sabia Marion que se encontrava a meros minutos de sofrer uma das mortes mais infames da história do cinema; no entanto, parece que ela adivinhava que, depois de todas as tribulações e confusões na viagem (uma das grandes delícias da sua interpretação são as diversas expressões faciais que exibe enquanto é perseguida pela polícia e quando está a abandonar a cidade e o seu patrão a vê de relance, denunciando o seu crime), seria esta a mulher que lhe iria trazer o seu triste fim.


Antes de morta, porém, Marion trava conhecimento com Norman Bates (Anthony Perkins), o responsável pelo motel. Bates é um sujeito invulgar. Tenta fazer passar-se o máximo por uma pessoa normal e quase consegue - isto é, até ao momento que Marion começa a fazer-lhe perguntas pessoais. A psique de Bates é uma coisa fascinante de se observar - a forma despreocupada com que fala do seu dia-a-dia, da sua solidão, da sua paixão pela taxidermia, é trocada de repente por gélidos olhares, fala entredentes, sorrisos nervosos e confusão e incongruência no discurso. Impressionante é ver que Janet Leigh consegue usar esses traços de personalidade de Bates para contar mais acerca da sua própria personagem: as dentadas nervosas que dá na sanduíche, os olhares de soslaio que faz, o contacto íntimo que procura até perceber que falou demasiado... Muito perspicaz.


Eventualmente, como em qualquer filme do senhor Alfred Hitchcock, temos que chegar à parte dos assassinatos. E falando de mortes... Esta é uma daquelas que impressiona. Para azar e infortúnio de Marion Crane, a sua jornada acaba aqui - este é o seu destino - e parece-nos a nós que sempre o fora desde o momento em que ela pôs os pés neste motel. A inocente e ingénua Marion toma despreocupadamente banho de chuveiro quando tudo acontece. O resto, é história. A banda sonora de Herrmann alterna entre a melodia sombria e arrepiante que pauta toda a película para uns sons mais estridentes e assustadores. Um vulto aproxima-se por detrás da cortina, segurando uma faca. Marion grita. Ninguém ouve. Repetidas facadas são vistas (como se sabe, Hitchcock decidiu filmar esta cena sem que uma facada ou jorro de sangue se visse, porque achava que o público da altura não suportava ver grande quantidade de sangue) e o fim prematuro de Marion chegou. Num último movimento, ela puxa a cortina da banheira. Simbolicamente, sangue a jorrar da vítima  é lavado pela água do chuveiro e ambos rodopiam pelo cano abaixo. Um close-up final do olho cintilante, sem vida de Marion é-nos proporcionado.


Quando Bates (ouvimos) descobre a mãe coberta de sangue, corre até à cabana procurando impedir o pior, mas este já está feito - e quando ele a desvenda, não há como não ficar horrorizado pelo cenário atroz e macabro. Atrás de Marion já anda meio mundo e dias depois é a ver de Arbogast (Martin Balsam), um investigador privado, chegar ao Motel Bates. Também ele iria ser surpreendido pela Morte, pouco depois de ter informado Lila Crane (Vera Miles), a irmã, e Sam Loomis (John Garvin), o amante, que ela teria aí sido vista pela última vez. Quando ele não regressa, não havia como Lila e Sam ficarem desconfiados e procurarem fazer justiça pelas próprias mãos.


É nestas cenas de busca dos dois na casa dos Bates que dá para ver melhor aquilo que eu mais gosto nos filmes de Hitchcock - a forma como testa o índice de medo da audiência, a forma ilimitada com que aborda os nossos medos mais primários, mais básicos, mais fundos da nossa alma. O jogo de espelhos que tanto aterroriza Lila numa cena funciona de forma semelhante às várias vezes que Marion, mais cedo na película, olha para o espelho para conferir se alguém a segue, e depois quando o polícia surge em repetidas frames à porta da loja de carros usados.  Este estudo do comportamento e da natureza humana que Hitchcock faz em todos os seus filmes é notável - quem diria que nos podemos assustar tanto com algo tão elementar como a ideia de termos alguém a perseguir-nos quando fazemos algo de errado? E a situação em que Lila se encontra - ela que anda a bisbilhotar uma casa que não é sua, a invadir a privacidade de outrem - e ainda por cima numa casa tão mal iluminada, tão assustadora, tão estranha e peculiar - e que a qualquer momento pode ser apanhada... é perfeitamente natural que se tenha assustado ao ver o seu reflexo no espelho por trás dela, pensando que era outra pessoa. Quem é que nunca experienciou sentimentos semelhantes? Certamente já se passou com todos nós. Todos nós já fizermos algo que sabemos que era errado e tememos ser apanhados por fazê-lo.


Mas o que tema ela em concreto? Desde o primeiro momento que surge no grande ecrã que se torna bastante claro que no fim tudo iria girar em torno de Norman Bates. Anthony Perkins interpreta-o de forma magnífica, transformando o que já era uma personagem complexa no papel numa verdadeira sombra humana. Variando entre a personalidade jovem, enternecedora e divertida de algumas cenas e a tristeza, melancolia, dúvida e mistério que pairam no seu rosto noutras, o seu Norman Bates é claramente alguém que não dá para confiar a sério. A forma como pronuncia algumas falas é brilhante. E é fantástico, como disse acima, vê-lo perder-se totalmente quando se aborda assuntos muito pessoais. Ele escapa para outro mundo. Parece ter a cabeça na lua. Perde-se na coerência do seu discurso. Ri-se nervosamente. Fala entre dentes. E perde completamente as estribeiras e a polidez por alguns momentos.  Apesar de achar que o filme dispensava  as cenas com o psiquiatra, sendo que para mim devia ter terminado logo após a mãe ter sido revelada, esta última cena, frente a frente com o assassino, de olhar frio e cruel, de sorriso ironicamente satisfeito, qual louco envolvido pelo seu próprio delírio, é absolutamente preciosa, como que a lembrar-nos de que nem sempre o demónio está nos sítios mais óbvios. Norman Bates tinha uma alta doce e gentil. É pena que esta estivesse consumida e destruída.

No fim de contas, PSYCHO é um melodrama/thriller de grande qualidade e efeito, recheado de interpretações curiosas e poderosas mas onde o realizador é que é a verdadeira estrela. Desde os close-ups do ponto de vista da personagem (em particular a visão dentro do carro), da forma desconcertante de introduzir ironia nos diálogos mais sérios, da surpreendente lata de fazer as personagens sorrir nas situações mais inapropriadas, da extraordinária direcção artística (pássaros assustadores empalhados, anyone?) e escolhas de casting (todos os actores são aquilo que as suas personagens precisavam - mesmo em termos físicos; não há escolhas ao acaso aqui) e a edição perfeita, PSYCHO é realmente uma obra emblemática, uma sinfonia estrondosa de horror e suspense; numa frase, é tudo aquilo que os grandes filmes esperam ser: um filme para todo o sempre, um  filme que resista ao teste do tempo, um filme que desafie e estimule a audiência e, sobretudo, um filme que tenha o orgulho e prazer de se auto-intitular como um dos melhores já alguma vez feitos.

Nota Final:
A

Informação Adicional:
Realização: Alfred Hitchcock
Elenco: Janet Leigh, John Gavin, Vera Miles, Anthony Perkins
Fotografia: John L. Russell
Banda Sonora: Bernard Herrmann
Duração: 109 minutos
Ano: 1960

Trailer:

"Hit Me With Your Best Shot": PSYCHO (1960)


Este artigo faz parte da minha participação na rubrica do The Film Experience Blog de Nathaniel Rogers, "Hit Me With Your Best Shot", na qual é-nos requerido escolhermos uma imagem icónica do filme em discussão nessa semana e justificar a nossa opinião. Esta semana a película em análise é um dos filmes mais reconhecidos universalmente, a fantástica obra-prima de Hitchcock, PSYCHO. Uma vez que esta rubrica é feita para um sítio inglês, o artigo tem que ser colocado nas duas línguas. Espero que gostem, de qualquer forma e que se juntem à conversação - e que vos incite a ver o filme. [N.B.: O texto tem 'spoilers']. 




What strikes me as the most fascinating about PSYCHO is how I believe its director Alfred Hitchcock knew that one day, fifty years after its release, that movie would have become such an indelible part of pop culture that no one would ever look at horror films, shower scenes and sons damaged by overbearing mothers the same way again. PSYCHO is, at its core essence, an amazing, thrilling experience, one that never loses its power whether you are watching it for the first time or if you have already watched it too many times for your own good. This, however, creates a huge problem for me: how to select only one image as strikingly iconic enough to represent a whole two hours' worth of pure entertainment - and not going for the shower scene?

 
When we first see this woman by the window, in that creepy-looking manor next to Bates Motel, one can't help but wonder about the possible omnipresence it may have on the story development. The facial expression on Marion Crane (an immensely detailed performance by Janet Leigh), our protagonist, that has fled Phoenix with 40,000 $ she stole from her boss and in her way to Fairvale, to meet her lover Sam, after seeing that image is so curious, judgemental yet ambiguous, unaffected but scared, that I couldn't help but to be drawn to it. Hardly does she know she's only mere minutes away from being murdered in one of the most famous scenes in cinematic history; however, it's as if she knew that the woman she saw would spell trouble for her along the way.


Speaking of murder... This is an impressive one. Misfortunately, Marion Crane meets her fate and ends her journey here. What a way to go. After a creepy, bizarre conversation with the motel owner, Norman Bates (an outstanding Anthony Perkins), Marion unknowingly decides to take a shower. The rest, you already know. Bernard Herrmann's delightfully suspenseful score sets the perfect mood for this untimely end. A shadow holding a knife creeps in. Marion screams loudly and  is repeatedly stabbed. In one last movement, she pulls the shower curtains. Symbolically, blood and water spin down the drain and the camera cuts to a close-up of Marion's unmoving eye. When Bates sees her, he (and we) can't help but to be sickened of the whole gruesome picture.


My favorite shot. After her disappearance has been known, a private detective, Arbogast (Martin Balsam) is hired to discover evidence on her whereabouts. He will eventually end up being murdered at the Bates's, not long after he informs her sister, Lila Crane (Vera Miles) and her lover Sam Loomis (John Garvin) that she stayed in that motel on her way to Fairvale. When they didn't hear from him the next few days, Lila and Sam decide to take matters into their own hands and search for her inside the house. Here lies what I believe to be Hitchcock's greatest skill: he worked with our primal fears and keeps testing them every time. It's amazing what frightening feelings he can pull off a car chase by a policeman (that repeated image of Marion looking into the rear mirror and afterwards of the policeman parked outside the used cars department reads as a pitch-perfect notion of human nature - when we do something bad, we are always glancing over our shoulders, almost anticipating that someone will come and be suspicious and reveal that they had known all along what we have done). This is why I love this shot so much. It plays so obvious that Lila would be terrified to see herself in the mirror, mistaking it for somebody else. In an ominous, creepy house like that and taking into account the purpose and the illegality of her presence there, who wouldn't be scared? It's something we all can relate to. Who hasn't been caught in a situation like that before? Who hasn't been caught sneaking up on something when we know we aren't supposed to?


From the first moment when he appears on screen, it's pretty clear that in the end it would all come down to Norman Bates. Anthony Perkins plays him in excellent fashion, transforming a complex character on paper into a doubtful shadow of a person. He conveys that boyish, "joie de vivre" kind of personality perfectly while still managing to sound mysterious and creepy through his line reading of some pivotal sentences. And it's fantastic to see him let go of his grip when things start to get personal. He evades. He giggles nervously. He loses track of his speech. He is not to be trusted. To Hitchcock's credit, although I feel that he should have ended the movie right after the scene where the mother's identity is revealed, this last scene which ends with the imposition of a skeleton over Norman's face is absolutely brilliant (The psychiatrist's lecture? Not so much), as if to remind us that sometimes the devil is in the unlikeliest of places. Norman Bates had one gentle soul. He just happened to have a broken one.


PSYCHO is an effective, full-blown melodrama, filled with interesting performances but where the director is the true star. From the close-ups from the character's point of view, the unsettling way of creating irony in a serious dialogue, the joyful thrill of having your characters smile in the most innapropriate of settings,  the spot-on art direction (stuffed birds, anyone?), casting choices (every actor is everything, physically, which the character requires them to be) and perfect editing, PSYCHO is truly an emblematic masterpiece, a mindblowing symphony of horror and suspense; in a sentence, it is everything the great movies hope for: a movie for the ages, that stands the test of time, that defies and challenges the audience, a movie that can proudly call itself one of the best ever made.

Nota Final:
A

Informação Adicional:
Realização: Alfred Hitchcock
Elenco: Janet Leigh, John Gavin, Vera Miles, Anthony Perkins
Fotografia: John L. Russell
Banda Sonora: Bernard Herrmann
Duração: 109 minutos
Ano: 1960

Trailer:

BLUE VALENTINE (2010)



 "Tell me how I should be. Just tell me. I'll do it."


Há quem diga que o maior desafio que podemos enfrentar nesta vida é amar uma pessoa. Depois de ver BLUE VALENTINE, eu diria que concordo em absoluto. Retratando um romance trágico digno dos maiores épicos de outras eras do cinema, o filme com que Derek Cianfrance se estreia como realizador não podia ser uma experiência mais pessoal e introspectiva, uma imagem cruel, arrasadora mas honesta e inflamada dos altos e baixos de uma relação. A relação falhada destes dois jovens serve de pano de fundo a algo muito maior que uma história, a algo pelo qual todos temos que eventualmente passar na vida: aprender a lidar com o amor de uma pessoa. E enquanto Dean e Cindy tentam remendar a sua união na tela, nós, meros espectadores, ficamos com o coração nas mãos - conseguirão eles recuperar a sua felicidade juntos?


O filme abre com Dean (Ryan Gosling), de aspecto descuidado, com um cigarro e uma cerveja na mão, a brincar com a filha Frankie (Faith Vladyka). De repente surge-nos a sua mulher, Cindy (Michelle Williams), atarefada, preocupada, irritadiça, bonita mas desarranjada. A relação de ambos, nota-se, encontra-se em estado de deterioração. As mágoas guardadas de há muitos anos atrás começam a deixar sinais visíveis de saturação e tudo parece ser motivo para discórdia e discussão. Os dois já não fazem bem um ao outro, são corrosivos, destrutivos, quando estão juntos. O realismo conferido à situação é impressionante, conseguindo Cianfrance fazer-nos perguntar como é possível que estes dois um dia se tenham apaixonado verdadeiramente um pelo outro.  Pois bem, o filme decide responder-nos e salta vários anos no passado, a uma altura em que Dean, um jovem zé-ninguém, bem-disposto e divertido, charmoso e bem-parecido, começava a sua vida despreocupadamente e se interessa por uma rapariga bonita, inteligente e cheia de vivacidade e alma chamada Cindy. A química entre os dois é explosiva (como se comprova pelas enternecedoras cenas de conquista) e complementam-se na perfeição: Dean, que nunca conheceu verdadeiros valores familiares, obtém de Cindy estabilidade e companhia. Cindy, cujos pais não se amavam realmente, fica encantada com a estabilidade emocional e o estado de espírito positivo e apaixonante de Dean. O filme alterna entre a realidade presente, em que vemos Dean e Cindy derrotados pelas circunstâncias da vida, e o momento no passado em que a sua relação se iniciou, em que os conhecemos mais livres, mais jovens e despreocupados, com a vida toda pela frente, como se procurasse perceber o que é que correu mal.


Ao contrário de muitos filmes que abordam este tema, é nos pequenos detalhes, neste mosaico de momentos que constroem a manta que é uma relação, que Derek Cianfrance e os outros dois argumentistas fazem o filme destacar-se. Seis anos volvidos desde o momento que se conheceram, é óbvio para o espectador que Cindy está física e mentalmente exausta e que só milagrosamente ainda suporta a companhia de Dean. E é igualmente claro que Dean é relativamente indiferente a tudo isto: desde que ele possa viver o dia-a-dia dele em paz e sossego, beber cerveja todo o dia e ser amado pela mulher e pela filha, para ele está tudo bem. Ele é basicamente um miúdo preso num corpo de gente grande e é por isso que Cindy fica tão irritada com ele. Isto é particularmente fácil de perceber na cena passada no motel barato onde Dean e Cindy decidem passar uma noite. Dean praticamente implora por sexo. Cindy afasta-o com uma gélida indiferença e rude falta de afecto que demonstra indubitavelmente o quanto ela não o quer e ele a repulsa.


Cindy sabe que Dean estará sempre ao lado dela e da sua filha, para a qual ele é um bom pai. Cindy sabe disso e agradece-lhe. Só que a vida trocou as voltas a Cindy e o seu controlo sobre ela fugiu-lhe. E Cindy foi acumulando a sua raiva e frustração até não poder mais. Cindy nunca quis casar-se. Cindy não queria ter tido uma filha tão cedo. O romance entre Cindy e Dean não era suposto ter progredido assim. Mas foi assim que as coisas se passaram. E é por isso que a falta de ambição, a despreocupação e o desperdício do potencial de Dean - e o facto de ter de ser ela a suportar a família - tanto incomodam Cindy. Para Dean, casar-se com Cindy foi o alcançar do seu máximo potencial. O casamento e a família era o grande plano de Dean e, estando isto atingido, ele desistiu de tentar, pura e simplesmente. A vida, para ele, podia ser vivida sem o mínimo entusiasmo e planeamento. A missão dele está cumprida. Daí ele não perceber a insatisfação e descontentamento de Cindy - afinal, ele ama-a - não é isso suficiente para que ela o ame de volta?


Que o equilíbrio delicado entre os dois protagonistas desta história funcione tão bem é prova do enorme talento dos seus dois intérpretes. Ryan Gosling é, sem margem para dúvida, o maior actor da sua geração. Imerso profundamente no personagem, conserva todos os elementos fundadores da sua personalidade ao longo das duas partes distintas da história, conferindo no entanto características diferentes aos dois estados de Dean. O primeiro Dean é um ser-humano completo. O Dean mais velho é uma sombra, um fragmento do seu "eu" passado, um homem de coração partido, destruído pela vida e pela dificuldade em manter uma relação que desde o início se revelou imensamente complicada de gerir e pela qual fez tudo. A sua dor é palpável e o seu sofrimento ao sentir a indiferença da mulher, mesmo ele dando tudo por ela, é de partir o coração. Ainda para mais porque as suas cenas com a filha, por contraste, mostram-no muito diferente, irradiando carinho e alegria. Já Michelle Williams ficou com o papel mais complicado dos dois. Ela é muito mais reactiva, um reflexo mais rígido e impávido que contrasta com a extroversão e paixão que caracterizam a sua cara-metade. Todavia, é naqueles momentos de raiva silenciosa em que parece querer libertar-se das suas frustrações e desatar aos gritos que Cindy se revela. Ela é pura e simplesmente uma mulher que não escolheu a vida que lhe coube - e que, pudesse ela voltar atrás, tudo faria para dela fugir. Está a suportar e a esconder sentimentos há tempo demais. É uma pessoa desesperada, sem esperança, sem rumo. E que não gosta de estar assim. Que este conflito de alma nos seja passado de forma imensamente convincente é um testemunho à grande qualidade desta surpreendente actriz.


Como disse no início, BLUE VALENTINE parece ser um relato extremamente detalhado e pessoal. Talvez seja. Talvez o segredo da realização brilhante de Derek Cianfrance esteja na experiência de ter passado por aquela situação. Seja como for, valeu a pena os doze anos que ele levou a conseguir produzir, realizar e lançar o filme. Esta experiência visceral, dolorosa, que nos analisa a alma e testa os nossos sentimentos, que nos faz chorar e rir ao sofrer com o destino destas personagens, merece o tempo de espera que teve. Cianfrance parece arrancar-nos as entranhas, sem piedade nem dó, lançando-nos num turbilhão de emoções. Acompanhando cada momento excepcional na vida a dois deste casal, Cianfrance deixa-nos ver com os nossos olhos como as coisas acontecem a longo termo. BLUE VALENTINE é a história de uma relação como tantas outras. Algumas acabam bem, algumas acabam mal. Pelo caminho, ficam alegrias, dramas, tristezas, discussões, tudo pontos de paragem no caminho que é a vida. Quando começamos um romance, nunca sabemos o que verdadeiramente nos espera - e em BLUE VALENTINE, vemos Cindy e Dean agarrarem-se o máximo que conseguiram ao deles - e o quanto custou a Cindy deixá-lo ir.

Um dia conheces o amor da tua vida e vives feliz para sempre. Era bom que fosse assim tão fácil.




Nota Final:
A-

Informação Adicional:
Realização: Derek Cianfrance
Argumento: Derek Cianfrance, Joey Curtis, Cami Delavigne
Elenco: Ryan Gosling, Michelle Williams, John Doman, Mike Vogel, Faith Vladyka, Ben Shenkman
Fotografia: Andrij Parekh
Ano: 2010

Trailer:

AKMAREUL BOATDA/I SAW THE DEVIL (2010)



"Your nightmare is only getting worse."


Se o leitor é fan de OldBoy (para muitos o grande filme asiático dos últimos anos), vai adorar I Saw the Devil. Se gostou de Min-sik Choi em OldBoy, vai venerar Min-sik Choi em I Saw the Devil. I Saw the Devil é um orgasmo cinematográfico, é o grande thriller de 2010!


A minha devoção pelo cinema asiático resulta de filmes como este, de argumentos como este, de personagens como as deste filme. Não há, para mim, ninguém melhor a nível do cinema dramático (e aqui incluo os thrillers impiedosos com as cenas que muitos se recusam a mostrar). Nenhuma área do planeta produz tanto cinema com tanta qualidade. I Saw the Devil é o ponto alto do Cinema Asiático nos últimos anos e tudo aquilo que o cinema deve ser.

Como escrevi ontem, são obras de arte como esta que marcam momentos do cinema, que engrandecem a arte de fazer um filme e lhe dão o merecido valor. Não ver I Saw The Devil é ignorar uma parte importante do cinema do século XXI. Um filme que me encheu as medidas e me deixou rendido, às qualidades de Min-sik Choi, Hoon-jung Park e Jee-woon Kim.


Kyung-Chul
(Min-sik Choi) é um psicopata que tem como principal divertimento, sequestrar, violar e mutilar jovens mulheres. Um cruel assassino, sem pudores, sem qualquer ressentimento, que mata sem piedade, mas que a dada altura escolhe a presa errada: Joo-yeon, esposa de Soo-Hyun (Byung-hun Lee) um polícia de topo que, arrasado pela dor da s
ua perda, jura vingança e inicia uma busca incansável ao responsável pela morte do seu amor.


Num filme americano, estaríamos tratados: O polícia ferido perseguiria o psicopata e numa heróica e memorável batalha final, o polícia (que seria um irresistível sex-symbol de Hollywood) sairia vitorioso e honraria para sempre a alma da sua esposa. Em I Saw the Devil, tudo isto se despacha em pouco mais de quarenta minutos. A grande fatia do delicioso bolo que é este filme, corresponde àquilo em que os asiáticos fazem a diferença: quase 1h30 de filme, em que Soo-Hyun não se limita a perseguir Kyung-Chul. Soo-Hyun quer ver Kyung-Chul sofrer todos os segundos dos últimos dias da sua vida. E fá-lo com uma classe digna dos mais frios e calculistas assassinos da cinema.


I Saw the Devil
merece ser visto, admirado, digerido e, acima de tudo, compreendido. É um filme duro, tocante, fortíssimo e que certamente provocará desconforto entre os mais sensíveis. Eu assumo a responsabilidade da nota que lhe atribuo e sei que o faço de consciência perfeitamente tranquila. I Saw the Devil é uma obra-prima. É um exemplo perfeito daquilo que os asiáticos sabem fazer. É perfeito.

Nota Final:
A


Trailer:





Informação Adicional:
Realização: Jee-woon Kim
Argumento: Hoon-jung Park
Ano:
2010
Duração: 141 minutos

RANGO (2011)



"No man can walk out of his own story."


Se está a pensar levar os seus filhos até ao cinema para ver Rango, não o faça! Rango, um intrigante lagarto animado, foi pensado e trabalhado para deliciar os graúdos. O facto de aparecer numa versão animada é uma pura artimanha de marketing que leva para o cinema crianças que ainda não estão preparadas para assimilar e compreender as ideias do filme.


Complexo? Não. Rango é uma metáfora sobre o aquecimento global, os problemas da escassez de água, da ganância e da procura desmedida de poder. E como é que um lagarto de pescoço torto e olhar curioso se transforma na estrela de um filme? Em boa verdade, Rango nasceu uma estrela, nasceu um lagarto do espectáculo e em tudo o que faz coloca uma carga dramática digna dos momentos mais solenes do cinema.


Despejado para o deserto, Rango percorre as áridas zonas do Wild West em busca de água. Desorientado, encontra por mero acaso Beans, uma corajosa jovem que, tal como Rango, procura água para o seu rancho. Esta transporta-o até à sua vila, Dirt, um inóspito e abandonado povoado, cuja existência se encontra comprometida devido à escassez de água.


Com o seu natural jeito para cativar o público, Rango rapidamente se transforma na estrela de Dirt. Um conjunto de meros e felizes acasos, transformam-no num herói, numa história que não procura mas que se constrói a partir das suas atitudes. Conseguirá Rango trazer de volta a água até Dirt? Estará Rango à altura de todos os desafios com os quais é confrontado?


Antes de terminar, não posso deixar de falar dos pormenores deliciosos no sotaque das personagens (a característica pronúncia dos ranchos e do oeste não foi esquecida), do requinte no design do filme, com todos os animais perfeitamente trabalhados e com um detalhe incrível, dos quatro mochos que narram a história ao som de música mexicana, da inesperada participação de Blondie (a personagem interpretada por Clint Eastwood em The Good The Bad and The Ugly), que aparece a Rango num momento de profundo Nirvana e cujos sábios conselhos iniciam uma marcante reviravolta em toda a história. São muitas as razões para ver Rango, garantidamente, um dos melhores produtos animados dos últimos anos.

Nota Final:
B



Trailer:





Informação Adicional:

Realização: Gore Verbinski
Argumento: John Logan
Ano: 2011
Duração: 107 minutos

A STREETCAR NAMED DESIRE (1951)


Este artigo faz parte da minha participação na rubrica do The Film Experience Blog de Nathaniel Rogers, "Hit Me With Your Best Shot", na qual é-nos requerido escolhermos uma imagem icónica do filme em discussão nessa semana e justificar a nossa opinião. Esta semana dedicamo-nos a A STREETCAR NAMED DESIRE, a obra-prima de Elia Kazan baseada na peça imortal de Tennessee Williams, cujo centenário do seu nascimento nos encontramos a celebrar esta semana. Uma vez que esta rubrica é feita para um sítio inglês, o artigo tem que ser colocado nas duas línguas. Espero que gostem, de qualquer forma. [N.B.: O texto tem 'spoilers'].



Há tanta coisa que gosto no A STREETCAR NAMED DESIRE (invariavelmente, a obra-prima de Tennessee Williams e um dos melhores filmes do enorme Elia Kazan) que torna tão difícil resumi-lo em meras poucas palavras. É seguramente um dos maiores dramas de sempre. É um dos maiores exemplos de um trabalho de elenco de qualidade da História. É uma peça indissociável do clima cinematográfico dos anos 50, considerado demasiado risqué, controverso, inconveniente, provocante, mas que parece bastante sedado em relação aos tempos de hoje. Nele está presente um confronto interessantíssimo entre dois dos maiores intérpretes que o grande ecrã alguma vez já viu: o defensor do 'method acting', Marlon Brando, num dos seus primeiros papéis de relevo; e a rainha da Velha Hollywood e lenda cinematográfica, Vivien Leigh, que já nos tinha oferecido uma das maiores personagens da História do cinema (estou a falar, claro, de Scarlett O'Hara). Ambos conseguem magníficas interpretações que iriam conduzir, eventualmente, a nomeações para os Óscares da Academia para os dois (aliás, os quatro actores principais da trama viriam a ser nomeados, resultando em três vitórias; só Brando perdeu).


A STREETCAR NAMED DESIRE conta a história de Blanche DuBois, uma dama do Sul  que decide visitar a sua irmã Stella, que vive em Nova Orleães com o seu marido, Stanley Kowalski, um homem rude, animalesco, bruto e mal-educado. Durante a sua estadia na casa da irmã, Blanche é testemunha do forte abuso que a sua irmã tem de aturar por parte do marido, sem esboçar esta qualquer reacção (ela ama-o perdidamente, o que poderá explicar parte desta passividade) - abuso este do qual ela mais tarde virá a ser vítima. O abuso e a tortura que Stanley impõe sobre a doce e sonhadora Blanche destrói o pouco de sanidade que esta ainda possui, levando a que ela seja institucionalizada.


Tennessee Williams tem um dom para escrever para mulher. Consegue ver para lá do óbvio e mostra-nos a sua vulnerabilidade, o seu sofrimento, o seu orgulho, de forma crua e honesta, real.  Blanche DuBois é uma mulher fracassada. Decadente e desavergonhada, como os habitantes de Auriol, a terra onde vivia, fazem questão de a descrever. Narcisista, histérica, pomposa e artificial, Blanche é uma criação mítica que muitas actrizes matariam para interpretar. Que Vivien Leigh tenha sido tão bem sucedida no papel (ainda para mais porque era a única dos quatro principais que não tinha ligação com o espectáculo na Broadway, tendo substituído Jessica Tandy na transformação da peça em filme) diz muito da sua verdadeira qualidade como actriz. Vivien incorpora a sua Blanche de tanta falsa felicidade (as cenas com Mitch (Karl Malden) são uma delícia, tal é  o desvario da sua cabeça), de tanta necessidade e urgência e desejo, balanceando-o com o graciosidade, charme e delicadeza, enquanto nos proporciona uma visão priveligiada da sua dor, da sua psique, que é fenomenal observar a sua abordagem muito única às suas personagens. A peça está desenhada para nos fazer sentir pena dela e da sua irmã; contudo, Leigh imprime sentimentos e emoções e reacções em Blanche que nunca nos permite identificar e simpatizar com a sua história, dando-nos oportunidade para perceber o porquê de tanta implicância de Stanley. Imensamente irritante numas cenas, enternecedora noutras, assim é  Blanche DuBois. Uma criação incompleta - talvez para sempre assim. Uma grande interpretação, de qualquer forma. 


Marlon Brando é também brilhante. Stanley Kowalski é um homem atroz, sem dúvida. Ele bate na mulher, ele berra e discute, ele parte e atira coisas pelo ar, ele mete-se em confusões e lutas só porque lhe apetece e ainda por cima decide que é sua missão torturar mental e fisicamente a sua cunhada. A sua personagem é tão vil, tão violenta e real, tão complicada de ler que se torna impressonante imaginar de que forma vai reagir da próxima vez. A cena em que ele é abandonado na sua casa, no escuro, bêbedo e a chorar por ter batido à sua mulher e os gritos de "Stella!" que se seguem, é de arrancar o coração. Algo que nem devia ser posto em questão (afinal, ele acabara de bater à mulher!), Brando consegue fazer-nos sentir pena e compaixão pela personagem. Um desempenho fantástico.


Curiosamente, o elemento surpresa da história e sem dúvida a figura mais interessante do filme é a terceira parte deste triângulo: Stella (Kim Hunter). Impossível de desvendar o que pensa, o que sente. Por que razão está ainda com Stanley, quando toda a gente no seu bairro conhece como ele é? Como é que ela aguenta com tanta parvoíce que a sua irmã profere? Hunter torna Stella uma mulher enigmática, emotiva, reactiva, a sua face iluminando-se nalguns momentos cruciais na película. Comporta-se ingenuamente a maior parte do tempo, todavia de repente exibe uma espécie de despreocupação, temeridade, non-chalance, uma capacidade de abstracção que me fascina na personagem.  No início é-nos óbvio que quando Stella, depois de espancada, abandona a sua casa, que ela voltará. Ela deseja Stanley ardentemente e por ele faz tudo. É chocante apercebermo-nos que ela não o teme; ela até o compreende. Tudo isto torna a cena final, em que Stella volta a abandonar o seu domicílio depois do internamento da irmã, desta vez "de uma vez por todas", segundo ela, tanto ou mais imperiosa - será mesmo de vez?


E agora a minha escolha para melhor imagem. A que representa, para mim, o melhor que este triângulo de relações nos oferece no filme. Blanche torturada por Stanley. Stanley, bruto, sem noção de como é. Stella agindo como mediadora, nunca escolhendo lados neste feudo. E Blanche procurando segurança numa irmã que não sabe em quem confiar mais.




Nota Final:
A

Informação Adicional:
Realização: Elia Kazan
Argumento: Tennessee Williams
Elenco: Vivien Leigh, Kim Hunter, Marlon Brando, Karl Malden
Ano: 1951



"Hit Me With Your Best Shot": A STREETCAR NAMED DESIRE (1951)


Este artigo faz parte da minha participação na rubrica do The Film Experience Blog de Nathaniel Rogers, "Hit Me With Your Best Shot", na qual é-nos requerido escolhermos uma imagem icónica do filme em discussão nessa semana e justificar a nossa opinião. Esta semana dedicamo-nos a A STREETCAR NAMED DESIRE, a obra-prima de Elia Kazan baseada na peça imortal de Tennessee Williams, cujo centenário do seu nascimento nos encontramos a celebrar esta semana. Uma vez que esta rubrica é feita para um sítio inglês, o artigo tem que ser colocado nas duas línguas. Espero que gostem, de qualquer forma. [N.B.: O texto tem 'spoilers'].



There is so much I love about A STREETCAR NAMED DESIRE that it makes it so hard to resume it to a mere few words. It's one of the greatest dramas ever. It's one of the greatest ensemble pieces of all time. It's an indelible cultural landmark of the 1950s, deemed too daring and unconventional for the time but looking far too restrained when watching it at present. It features a clash between two of the most amazing screen performers the cinema has ever seen: the Method acting enthusiast Marlon Brando, in one of his first outstanding film roles; and Old Hollywood queen and legend Vivien Leigh, which had already given us one of the most fascinating characters of movie history (I'm talking about Scarlett O'Hara, of course). Both turn in fabulous turns which would eventually lead to Academy Award nominations to both (actually, all four main actors were nominated, resulting in three wins; only Brando lost).


A STREETCAR NAMED DESIRE tells the story of Blanche DuBois, an aging southern belle who apparently arrives at New Orleans to visit her sister Stella, who is married to Stanley Kowalski, a rude, impolite, brutal man. During her stay at her sister's house, Blanche witnesses the abuse her sister puts up - which later she will also become a victim of - without a reaction from her part. Stella is clearly madly in love with him, or else she'd do something. Stanley goes on to torture poor Blanche to a state of unbearable madness, to a point where her only solution is to be institutionalized.


Tennessee Williams had a way with words for women. He manages to see through their façade and show us their raw vulnerability, suffering and pride. Blanche DuBois is a very flawed woman. Decadent and shameful, according to the people of Auriol. Narcissistic, hysteric, pompous and artificial, Blanche is one mighty creation for any actress to dare play the role. That Vivien Leigh could imprint so much faux glee (especially in her date with Stanley's friend Mitch (Karl Malden), who seemed to bring some fresh air into her life), so much neediness and urge and lust and balance it with charm, delicacy and grace while providing us a fine way to her pathos, to her pain is a true testament to her unique approach to characters. The play is set out to make us feel sorry for her and her sister; yet, Leigh manages to convey feelings in Blanche that never allow us to identify ourselves and sympathize too much to her story, allowing us to see why Stanley (Brando) had such huge issues with her. She annoyed the hell out of me in some scenes - and in others she was endearing. A great performance by all means.


Marlon Brando is also firing in all cilinders. Stanley Kowalski is an atrocious man, that is for sure. He spanks his wife, he screams and yells, he smashes things, he gets into fights with his friends and he mentally and physically tortures his sister-in-law. His character is so real, so violent, so difficult to read that is makes it so delicious to wonder how he'll react next. The scene where he is left alone at his house, drunk, crying after spanking his wife, is heartwrenching. He makes us feel for the character in a situation where that shouldn't even be considered possible; after all, he had just spanked his wife.


Interestingly, the surprising element of this story is the third party of the triangle: Kim Hunter's Stella. She's so hard to figure out. Why she's still with Stanley, when everyone in her neighbourhood knows how he is? How does she put up with so much nonsense from her sister? Hunter makes Stella enigmatic, emotive, reactive, her face illuminating in several frames. She behaves naively most of the time but there's a sort of absent-mindedness, perilessness in the character that fascinates me. It's obvious in the beginning, when Stella leaves her house once again, that she will probably return; she lusts for Stanley and can't seem to live without him, no matter how abusive he is. She doesn't fear him; she even understands him. All this only makes the final scene more intense - when she finally realizes what he has done to her sister and leaves - will it be for good?


My choice for best shot. I think it perfectly captures the nature and three-way dimension of this triangle of relationships. Stanley abusing Blanche. Blanche leaning on Stella. Stella trying to be a moderator between this feud, opting to never choose sides.



[amanhã colocarei o mesmo artigo mas em português]


Nota Final:
A

Informação Adicional:
Realização: Elia Kazan
Argumento: Tennessee Williams
Elenco: Vivien Leigh, Kim Hunter, Marlon Brando, Karl Malden
Ano: 1951



GREEN STREET HOOLIGANS (2005)



"Once you've taken a few punches and realize you're not made of glass, you don't feel alive unless you're pushing yourself as far as you can go."


Hoje apeteceu-me falar de um dos meus filmes favoritos de 2005. Uma das melhores surpresas desse ano que passou quase despercebido por Portugal e foi praticamente ignorado e esquecido pela crítica mundial. Falo-vos de Green Street Hooligans, um dos poucos filmes em que Elijah Wood não faz aquele papel desconcertante de Frodo e em que o podemos ver num registo alternativo, com uma interpretação interessante e numa personagem muitíssimo bem elaborada.



Matt Buckner (Elijah Wood) é um promissor estudante de Harvard, que vê o seu futuro comprometido depois de ser injustamente expulso da famosa universidade devido a uma falsa acusação de posse de cocaína. Decide então fazer uma mudança radical na sua vida e muda-se para Londres, cidade onde vive a sua irmã Shannon.


Aí conhece Pete Dunham (Charlie Hunnam), irmão mais novo do seu cunhado, que o introduz num dos mais obscuros e perigosos ambientes do mundo: Fan incondicional do West Ham, Pete é também um dos principais líderes da claque do clube e, com orgulho, faz parte de um dos mais perigosos movimentos Hooligan de Londres. Com o tempo, Matt é introduzido no grupo e vive uma das mais marcantes experiências da sua vida.


Com uma banda sonora que mistura grandes músicas com os mais carismáticos hinos do futebol inglês (possivelmente, a melhor Liga de Futebol do mundo), Green Street Hooligans é um retrato marcante e cruel da violência futebolística, das motivações por detrás dos temíveis grupos de fans que assombraram não só a Inglaterra, como também a Europa, durante muitos anos, das consequências que actos irrefletidos e irresponsáveis têm em jovens e famílias. É daqueles em que o espectador vai adorar, do início ao fim.


Nota Final:
B+


Trailer:



Informação Adicional:
Realização: Lexi Alexander
Argumento: Lexi Alexander
Ano: 2005
Duração: 109 minutos

MICMACS À TIRE-LARIGOT (2009)


Uma refrescante, original, peculiar e surpreendente comédia vinda do cinema francês. Já o vi há alguns meses, quando esteve em Coimbra por ocasião do Festival de Cinema Francês. Estreado esta semana, é um dos melhores filmes em cartaz. Micmacs é diversão garantida.


É mais uma tranquila noite no clube de vídeo de Bazil. Fan incondicional de cinema, assiste ao clássico The Big Sleep, com Humphrey Bogart e Lauren Bacall, vivendo-o com intensidade e acompanhando todas as falas com atenção. Até que a tranquilidade da sua loja, dá lugar a uma turbulenta perseguição policial, que termina com uma bala perdida a atingir o cérebro de Bazil.


Bazil, cujo pai havia sido morto depois de acidentalmente pisar uma mina, via-se também ele entre a vida e a morte devido a mais um instrumento de guerra criado pelo homem. Após receber alta, e recuperado do azar, a sua vida sofre uma profunda transformação: desempregado, sem dinheiro, Bazil deambula pelas ruas e entrega-se à desgraça.

É aí que conhece Slammer, um pacato e amistoso senhor que o leva a conhecer um grupo de pessoas sem tecto, com algumas capacidades verdadeiramente originais: Mama Chow é a líder de um grupo onde Tiny Pete se destaca pela capacidade de criar esculturas móveis a partir do lixo ou Calculator, como próprio nome indica, é capaz de realizar com prontidão os mais complexos problemas matemáticos. Após acolherem Bazil, rapidamente percebem que este é um homem com uma missão. Solidários com o seu problema e compreendendo a dificuldade de concretizar a mesma, juntam-se ao nosso herói e, começam a trabalhar na mais complexa e perigosa missão das suas vidas: Derrubar os responsáveis pelo acidente de Bazil.


Nota Final:
B+

Trailer:




Informação Adicional:
Realização: Jean-Pierre Jeunet
Argumento: Jean-Pierre Jeunet
Ano: 2009
Duração: 105 minutos

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