Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

DIAL P FOR POPCORN

DIAL P FOR POPCORN

THE OTHERS (2001)



Diz-se por aí, pela boca de alguns iluminados da arte do cinema, que o Terror é o parente pobre desta arte. Na minha opinião, é fácil fazer um filme no qual se coloque o rótulo de terror. É mais fácil fazê-lo do que fazer comédia. Ou drama. Ou policiais. É fácil arranjar meia dúzias de designers com qualidade, aos quais se juntam efeitos sonoros e de (pouca) luz, cortar algumas cabeças, amputar algumas pernas, fazer sangue e colocar gente a aparecer de repente no ecrã do cinema. No entanto isto não é sinónimo de qualidade. Assusta, mete medo ao espectador, catalisa o contacto humano entre um par romântico. Mas não chega. Não chega para se chamar cinema e muito menos arte. Enquanto na comédia há muitas coisas más e que se distinguem a anos luz daquilo que é bom (ou muito bom), no terror há uma espécie de mínimos olímpicos que se conseguem obter sem grande esforço. A partir daí é que a história é outra e é isso que torna o Cinema de Terror numa parte tão respeitada quanto as outras.


The Others
é um claro exemplo de como o cinema de terror pode ter uma história por detrás de todo o suspense e mistério. Não é o meu género favorito, por mera questão de gostos, mas não gosto de a desprezar ou desvalorizar. Por isso fiquei feliz por poder incluir uma das mais importantes obras de Amenábar na selecção de filmes para analisar durante este mês. Nicole Kidman, que sem ter um pingo de sal consegue ser uma actriz surpreendente em praticamente todos os filmes em que participa (e eu evito vê-los, pois não suporto a palidez do seu olhar mortiço) é sem dúvida a grande valia e pedra basilar para a construção do argumento deste filme.


Grace Stewart
(Nicole Kidman) vive com os seus dois filhos, Anne e Nicholas, numa isolada mansão situada numa província perdida da Inglaterra. Como as suas crianças são alérgicas ao sol, Grace é obrigada a criar zonas de escuridão em toda a casa, de modo a que estas possam circular sem problemas. A chegada de Bertha Mills (Fionnula Flanagan) que se oferece para ajudar Grace nas lidas da casa, juntamente com o jardineiro Edmund e a jovem Lydia, marca o início de um conjunto de misteriosos acontecimentos que levam à constante insegurança de Grace e das suas crianças. Anne, a mais velha, irrita com frequência a sua mãe, não só pelos constantes relatos de vozes e visões que assegura ter, como também pela insolência com que reage aos castigos que lhe são impostos. Com o passar do tempo, a personagem de Bertha torna-se cada vez mais misteriosa e os acontecimentos sucedem-se a um ritmo vertiginoso.

Com um final completamente imprevisível e inesperado, The Others transformou-se numa agradável surpresa. É o terror como ele devia sempre ser feito.

Nota Final:
B+/A-


Trailer:



Informação Adicional:
Realização: Alejandro Amenábar
Argumento: Alejandro Amenábar
Ano: 2001
Duração: 101 minutos

MOULIN ROUGE! (2001)


"Spectacular! Spectacular!"




Dez anos depois, é inacreditável o quanto ainda me diz "Moulin Rouge!". O festival de luz, cor e espectáculo de Baz Luhrmann continua a ser, mesmo volvida uma década, um dos filmes mais satisfatórios e impressionantes de sempre. Desde o momento em que a música começa e a visão de Luhrmann de Paris entra no ecrã, um feitiço parece que me trespassa e me encanta e fico como que vidrado, a apreciar o dom visual do talentoso realizador. Não dá para desviar o olhar por um segundo - sob pena de perder vários momentos de magia.


O filme narra o romance épico de Satine (Nicole Kidman) e Christian (Ewan McGregor), com traços típicos de uma tragicomédia que vai da tristeza ao êxtase num segundo - tudo isto acompanhado, claro, pelas estilizadas adaptações das maiores baladas do século passado. Christian é um jovem e sonhador escritor que chega à bela Paris em busca de inspiração para o seu próximo romance e que trava uma curiosa amizade com o anão Toulouse-Lautrec (John Leguizamo) que o convence a alinhar no seu esquema de montar um espectáculo "cheio de luz, música e brilho" para Satine, a bela dançarina que é o atrativo principal do clube burlesco Moulin Rouge, propriedade do excêntrico e entusiasmante Harold Zidler (Jim Broadbent). Combinam então que Christian se deve encontrar com Satine e fazer-se passar pelo rico Duque de Worchester que, como previsto, iria financiar o espectáculo que faria dela uma estrela. Desfeita a confusão, o grupo tem que convencer o verdadeiro Duque de Worchester - que quer "pagar" pelos afectos de Satine - a alinhar na sua ideia. O que ninguém sabe, na verdade, é que Satine carrega um pesado segredo que poderá mudar o rumo de toda esta história.


Uma electrificante e inspirada banda sonora, que conta com adaptações de êxitos musicais como "Diamonds Are a Girl's Best Friend" numa estonteante sequência de dança, ou como a mistura efusiva e polvorosa de Paul McCartney, Eagles e Beatles em "Elephant Love Medley" na mais apaixonante cena de toda a película, ou sobretudo, com o arrebatador dueto final "Come What May", numa espécie de rendição final de Satine e Christian, cujo amor irá para sempre perdurar, não importa o que aconteça, em conjunto com a brilhante fotografia de Donald McAlpine - que merece todos os prémios que (não) ganhou - e a frenética edição de Jill Bilcock, que complementa na perfeição o tom histriónico e exagerado e risqué do filme, a mil à hora. Todas as interpretações merecem clara nota de destaque, mas sem dúvida que Nicole Kidman está muito acima das restantes. Ela desaparece completamente dentro de Satine, numa das interpretações mais surpreendentes dos últimos tempos, digna do Óscar que também (não) ganhou. Frágil, delicada e sensível, mas ao mesmo tempo tão forte e decidida, Satine é uma criação inolvidável de uma das maiores actrizes de sempre.

Retratando de forma gloriosa e até poética o que Paris tem de mais romântico e idílico, combinado com números musicais e de dança dignos de uma poderosa alucinação, repleta de eroticismo, cor e comédia, "Moulin Rouge!" é um filme que é impossível esquecer, quer se esteja a ver pela primeira vez ou pela centésima, é tocante, é emocionante, é um turbilhão de emoções fantástico de se vivenciar e experimentar. Nunca mais somos os mesmos - tal como aconteceu a Christian quando foi apresentado ao Moulin Rouge. 


Nota:
A

Ficha Técnica:
Realização. Baz Luhrmann
Argumento: Craig Pearce, Baz Luhrmann
Banda Sonora: Craig Armstrong
Fotografia: Donald McAlpine
Ano: 2001
 




M (1931)



Düsseldorf, 1931. Um assassino, misterioso e perspicaz, faz desaparecer dezenas de crianças. Sem deixar rasto, uma a uma, as crianças vão sendo assassinadas. A polícia está desesperada, pois não consegue dar resposta aos constantes pedidos da população, que exige a captura do criminoso. O povo está desesperado, pois teme pelas suas crianças e pela insegurança de ter um psicopata à solta. Os ladrões estão desesperados, pois as constantes rusgas policiais, numa busca desenfreada para descobrir a identidade do assassino, acabam por tornar os seus negócios paralelos mais vulneráveis e menos regulares.


Numa cidade onde todos ficam a perder, um homem acabará por pagar uma factura muito grande pelos seus pecados. Peter Lorre (que monstruoso actor!!!) interpreta o papel do pedófilo/assassino Hans Beckert, um doente mental, ilibado pelo tribunal e pelos médicos de todo o seu passado criminoso e que vive a sua vida de forma pacata e solitária. Infelizmente, o seu desejo pelas crianças leva-o a cometer crimes horrendos, que lhe trazem a paz interior e a tranquilidade com a qual se vê obrigado a lutar diariamente. Uma luta interior cruel e demolidora, que o consome e o obriga a praticar horrendos crimes.


Escolhi começar a minha série de crónicas por esta obra-prima por uma simples razão: Apetece-me começar em grande. Começar com um filme tão magnífico, de um realizador que viveu muitos (muitíssimos) anos à frente do seu tempo, faz-me sentir orgulhoso de todo este projecto. M é uma obra-prima em todos os aspectos: interpretações carismáticas, argumento poderosíssimo, ambicioso e controverso (ainda nos dias de hoje!) e uma realização/edição que dá cartas a muitos dos realizadores da actualidade. É sempre um prazer ver um filme de Fritz Lang.

Nota Final:
A+
Trailer:



Informação Adicional:
Realização: Fritz Lang
Argumento:
Fritz Lang
Ano:
1931
Duração: 117 minutos

GOSFORD PARK (2001)



"I haven't a snobbish bone in my body!"

A aristocracia britânica nunca teve tanta pinta como no fenomenal "Gosford Park", o penúltimo filme do grande Robert Altman, mestre director de actores, autor consagrado de brilhantes obras-primas como "Nashville", "The Player" ou "Short Cuts". Altman, cujo estilo experimental parecia, à primeira vista, uma combinação desastrosa com o controlado e meticuloso período aristocrático, surpreende todos com um filme que não só é inteligente, audacioso e divertido como também uma análise sofisticada e bastante pejorativa ao sistema de classes hierárquicas britânicos. Pelo meio, Altman reúne um grupo de actores de incontornável talento que só engrandecem ainda mais o resultado final da película. Com Altman, "Gosford Park" não é só o retrato de um homicídio que decorre durante uma festa. É ser convidado para essa mesma festa e poder testemunhar e tirar conclusões por nós mesmos.


"Gosford Park" passa-se então em Novembro de 1932, na luxuosa mansão de Gosford Park, na qual os seus proprietários, Sir William McCordle (Michael Gambon) e Lady Sylvia (Kristin Scott-Thomas) juntaram vários familiares e conhecidos para um fim-de-semana de caça e convívio. Entre os convidados encontrava-se a irmã de William, Lady Constance Trentham (Maggie Smith), uma velha snobe e empertigada com mania de endeusamento que só atura o irmão pela pensão mensal que este lhe dá, o seu primo Ivor Novello (Jeremy Northam), uma estrela de Hollywood que consigo traz o produtor Morris Weissman (Bob Balaban) - que procurava estudar uma família de classe alta britânica como base para o seu próximo argumento - e o seu valete, Henry Denton (Ryan Philippe), as irmãs de Lady Sylvia, Lady Louisa (Geraldine Sommerville) e Lady Lavinia (Natasha Wightman), casadas respectivamente com Commander Anthony Meredith (Tom Hollander) e Lord Raymond Stockbridge (Charles Dance), nenhuma das duas - tal como a irmã - casou por amor mas sim por dinheiro.


Entretanto, no andar de baixo, os criados e servos da casa procuravam acomodar os serviçais que acompanhavam os respectivos convidados, tratados pelo nome do seu patrão, "de acordo com os velhos costumes que a casa segue". Assim, Henry passa a ser tratado por Mr. Weissman e conhecemos ainda a novata e inexperiente nestas lidas Mary , entretanto renomeada Miss Trentham (Kelly Macdonald) e Robert Parks Mr. Stockbridge (Clive Owen), que travam conhecimento com o pessoal da casa, liderado pela governanta, Mrs. Wilson (Helen Mirren), pelo mordomo Mr. Jennings (Alan Bates), pela chefe das camareiras, Elsie (Emily Watson), pela cozinheira Mrs. Croft (Eileen Atkins), pelo chefe dos valetes, Probert (Derek Jacobi) e por Mr. Croft, o faz-tudo (Richard E. Grant). Confuso com tanta personagem? Não há confusão possível - porque Altman nunca nos permite saber mais do que é necessário para apreciar a personagem. Aqui não é preciso compreender os seus motivos - é só deixar-se levar pelos incidentes. E há, de facto, diversos incidentes ao longo das duas horas de enredo. Como já mencionei, Sir William, um homem desprezível e rude, de quem depende (ingratamente) toda a família, é assassinado após o jantar, quando se retira para a sua biblioteca para descansar em paz depois de um jantar algo enervante. 


O filme flui de forma impressionante, sem momentos aborrecidos e envolvendo-nos e tornando-nos cúmplices das histórias e das vidas de cada uma destas pessoas. Faz-nos sentir que nos encontramos realmente a jantar com a nata da aristocracia britânica ao mesmo tempo que parecemos sentir-nos em casa no andar de baixo, a ouvir detrás das portas e a guardarmos os segredos tanto dos patrões do andar de cima como dos serventes do andar de baixo. Toda a gente tem segredos ("Everybody has something to hide", como muito bem diz Probert) - mas, curiosamente (e Altman usa e abusa ironicamente deste pormenor), ninguém tem vida própria. Todos os empregados parecem satisfeitos e contentados com a vida que têm e todos os aristocratas do andar de cima se sentem felizes com esta vida de fingimento e de secretismo na qual tudo o que parece não é. Uns com problemas financeiros, outros com traições e adultério, todos à sua maneira têm problemas. Até o par de investigadores que vem resolver o crime parece saído de um folhetim ou telenovela: o investigador Thompson (Stephen Fry) é o típico chefe incompetente, mais preocupado em passear o seu pomposo ar e fumar o seu chique cachimbo do que procurar por pistas, cometendo até o faux pas de se virar para os empregados da casa e dizer "não se preocupem, ninguém do andar de baixo me interessa, não são ninguém importante". Já Dexter, o seu assistente, aponta incessantemente potenciais pistas em busca de ser elogiado mas acabando sempre ignorado.


Servido com um sentido de humor apudaríssimo a puxar o sardónico, a imaginativa e inteligente construção da narrativa de "Gosford Park" é um verdadeiro testemunho à qualidade do argumento de Julian Fellowes e à visão de Robert Altman, que criou esta ideia com Balaban e explorou a fundo as suas potencialidades. Este filme, que quase se pode considerar (erradamente, aviso) uma versão cinematográfica do grande jogo de tabuleiro Cluedo, é uma autêntica lufada de ar fresco no género de prestige/pedigree britânico que tipicamente nos oferecem as terras de Sua Majestade todos os anos. O revolucionário Altman não deixa que isso aconteça, criando faísca e mobilidade em todas as suas cenas, acompanhando vários personagens ao mesmo tempo, de forma fluída e confiante, como se realmente estivesse na sala com elas e nos estivesse meramente a mostrar o que observa.


Um enorme director de actores, Altman pega no potencial talento em bruto que tem e faz magia. Ninguém consegue convincentemente retratar aristocratas com ironia ácida e pedantes rabugentos como Maggie Smith, da mesma forma que ninguém expressa tão bem uma resposta torta como Maggie Smith - o interlúdio entre ela e quem está sentado à sua mesa, enquanto Novello toca piano, é genialmente cómico; a forma como ela numa primeira fase inocentemente diz "Do you think he'll take just as long as he usually is?" e, mais tarde, quando o aplaudem ela veementemente diz "Don't encourage him!" é tudo o que precisamos saber da personagem. Aliás, as interacções entre ela e Novello são dos momentos mais hilariantes de toda a trama, com ela, que não suporta o charme e a presunção dele, a pô-lo no seu lugar relembrando os seus últimos filmes como fracassos e, à mesa, referindo que ninguém dali veria os seus filmes, portanto não haveria porquê discuti-los com eles. Helen Mirren, Kristin Scott-Thomas, Emily Watson, Michael Gambon, Clive Owen e Kelly Macdonald cumprem imaculadamente os seus papéis e até Ryan Philippe me surpreende pelo à vontade e pela lata do seu personagem. Contudo, sendo este um largo elenco e todos com oportunidades de brilhar, é um grande desserviço estar a seleccionar uns e não outros. Maggie Smith é claramente o destaque - mas não é a única. A fotografia e a banda sonora são sumptuosas e delicadas, tal como a película requeria, todavia aqui o verdadeiro herói - em termos técnicos - é Squyres, o editor, que cola na perfeição todas estas interacções e nunca nos faz saltar um batimento.


Labiríntico, claustrofóbico, denunciador, "Gosford Park" é um filme completamente ao estilo de Robert Altman, ainda que não pareça à primeira vista: é um filme bem mais preocupado com as personagens, as situações e os seus sentimentos do que com o fio narrativo. Até o assassinato passa para segundo plano, tal é a diversidade de conversações que podemos presenciar, das confusões que podemos testemunhar, dos segredos que podemos desvendar. 


Nota:
A-

Ficha Técnica:
Realizador: Robert Altman
Ano: 2001
Argumento: Julian Fellowes, Robert Altman, Bob Balaban
Fotografia: Andrew Dunn
Banda Sonora: Patrick Doyle

Especial Animação: A ternura de DUMBO (70º Aniversário)

Nesta semana especial, que abre o mês de festividades, pedimos a amigos próximos e colaboradores de outros blogues que nos ajudassem a abordar um dos nossos temas preferidos: a animação. Todos eles foram limitados a um máximo de dez imagens ou um vídeo para a sua tarefa. Sete dias, sete colaboradores, sete títulos que festejam este ano o início de uma nova década de vida. Muita diversão, emoção e magia é prometida. A ver se cumprimos. 

A terminar, o brilhante Gonçalo Trindade (colaborador de vários espaços mas mais conhecido, em termos de cinema, pela sua colaboração no Ante-Cinema) ficou de falar de um clássico que encantou várias gerações: DUMBO - que celebra 70 anos de vida a 23 de Outubro deste ano. Eis o Gonçalo:


Sendo um dos mais simples, adoráveis e inocentes filmes da Disney, Dumbo é frequentemente considerado uma das maiores obras-primas do estúdio e, quer ascenda ou não a esse patamar (não ascende, a meu ver) é totalmente inegável que este é, simplesmente, um filme absolutamente lindíssimo.
É difícil não gostar de um filme assim, que vive à base de uma personagem tão mágica e inocente como Dumbo, aquele elefante bebé de orelhas grandes que não fala (uma inspiração para Wall-E, talvez), e que não compreende o porquê de todo o mal que lhe acontece, seja esse mal os que com ele gozam, ou o aprisionar da sua mãe que tem como consequência aquela que é, muito provavelmente, uma das mais tocantes cenas alguma vez feitas pelo estúdio de animação: aquela em que a mãe de Dumbo o embala com a tromba de dentro da carruagem onde está presa, enquanto ao mesmo tempo lhe canta uma canção. Todo o filme é, aliás, profundamente tocante na forma como retrata a relação mãe-filho, raramente abordade tão acertadamente num filme de animação. A cena, logo perto do início, em que a senhora elefante recebe da cegonha o jovem Dumbo é, por si só, um verdadeiro prodígio, que ainda hoje coloca facilmente um sorriso na face de cada um.
Se é verdade que este é o filme com a personagem mais adorável de todos os filmes da Disney (desculpa, Bambi, mas o Dumbo ganha), e que todos os amigos que vão surgindo na vida do pequeno elefante são encantadores (com destaque dado, claro, a Timothy, o rato), é também verdade que não é só aí que reside o triunfo do filme: o seu grande valor existe antes na forma como, através de um filme tão simples, que nem aos 80 minutos chega, e que tem uma personagem principal que nem sequer emite uma palavra, se conseguem mostrar alguns dos maiores males do mundo e ensinar algumas das mais belas lições da Humanidade. A forma como o grupo de elefantes diz mal da mãe de Dumbo após esta ter sido presa, por exemplo, ou a forma como os rapazes puxam as orelhas do jovem elefante enquanto gozam com ele, são momentos de cinema em que está ali exposto mais do que ao início pode parecer. Dumbo é, em grande parte, um filme sobre o preconceito e a forma como este afecta aqueles que, simplesmente, não o compreendem nem o merecem. Daí que tenha sido um golpe de génio em criar Dumbo como uma criança que nem falar sabe: é um paralelismo directo a um mundo onde muitos jovens nascem marcados desde o início, seja pela raça ou o que for, sem compreenderem o porquê dessas marcas. Marcas essas que podem ser trasnformadas em dons; afinal de contas, aquilo que mais dor causa a Dumbo, acaba por ser exactamente aquilo que o faz voar.

É uma lição de vida poderosa e importante, abordada de forma perfeita naquele que foi o quarto filme do estúdio, feito para recuperar as perdas geradas pelo incrível Fantasia. Foi o filme mais barato do estúdio até àquela altura, e acabou por ser um verdadeiro milagre monetário para Disney. É, no geral, sem dúvida um dos seus filmes mais simples, sem grande inovação a nível visual (os cenários não são muito elaborados, e não há cenas que sejam realmente espectaculares nesse aspecto, exceptuando talvez a cena em que o jovem elefante fica bêbado e… vê elefantes cor-de-rosa), sendo possível ver esse orçamento mais pequeno com que foi feito, mas é ainda assim uma pequena pérola visual nem que seja, claro, pelo próprio Dumbo, que encanta e parte corações com os mais belos olhos azuis que o cinema de animação alguma vez viu. Talvez seja essa mesma a palavra que melhor descreve o filme: é uma pérola. Pequeno, simples, mas de uma enorme beleza e uma complexidade moral que pode ser comparada à audacidade de ter, diga-se, uma personagem principal que nem abre a boca e que tem de criar uma ligação com o espectador apenas pelo seu aspecto e pelos seus movimentos (é necessário relembrar que este foi o quarto filme do estúdio: fazer algo assim tão cedo é, no mínimo, arriscado). E as canções, ainda que muito, muito longe do melhor que o estúdio já fez (excepção dada a "Baby Mine", a música da cena já mencionada em que a mãe embala o filho), são completamente encantadoras.


Uma história de amor entre mãe e filho, uma história de preconceito, e uma história de inocência, este "Dumbo" é, de longe, um dos mais encantadores filmes da Disney. Sim, não tem a complexidade visual de um "Branca-de-Neve", nem a trama bem-pensada de um "Rei Leão" ou um "Bela e o Monstro", mas tem uma alma do tamanho do mundo, uma inocência presente do primeiro ao último segundo, e uma personagem principal que tornaria qualquer filme mau num bom. Lindíssimo e tocante, é uma obra intemporal que deverá, se houver justiça e sabedoria no mundo, fazer parte da infância de muitas mais gerações ao longo de longos, longos anos. Afinal de contas, não é só o facto de ser adorável: Dumbo é, também, uma lição de vida ensinada de uma forma que consegue chegar a todos. Se isso não é sinal do triunfo de um filme (seja ele de animação ou não), então não sei o que o será.



Obrigado, Gonçalo, por teres aceite o convite! Belo texto!
E a vocês, também comove assim ver a história de Dumbo?

 

Especial Animação: Chegamos ao fim

Pois é, a Semana Especial de Apreciação da Animação chegou ao fim. Com muita pena minha, não consegui abranger todos os filmes que queria (à custa dos problemas de rede que andei a ter, não falámos de "Persepolis", "Finding Nemo", "Ratatouille", "The Iron Giant", "Coraline", "Fantastic Mr. Fox" e outros que tais) e por isso talvez possa surgir, mais para a frente, uma espécie de sequela desta semana. 

Resta-me agradecer a todos os convidados que participaram de bom grado na iniciativa e ao número elevado de visitantes e comentadores que tivemos nos últimos dias. É sempre simpático saber que lêem e aprovam o que escrevemos. Deixo-vos com aquela que, penso eu, é a música mais adequada para encerrarmos a semana com estilo. Obrigado a todos.


Especial Animação: Melhores Vilões Disney

A acompanhar os sete artigos dos nossos convidados para a nossa Semana de Apreciação à Animação, vamos ter outros artigos especiais dedicados ao tema, que se debruçarão sobre diversos componentes que fazem da animação dos géneros mais excitantes do cinema contemporâneo. No dia de encerramento - e aproveitando que os últimos filmes abordados cá pelo blogue possuem, de facto, vilões memoráveis (Cruella, Ursula, Queen of Hearts) - propus-me a compilar num artigo aqueles que são, para mim, os dez maiores vilões do universo Disney.

Menção Honrosa:
Mother Gothel ("Tangled") 

 
Já expressei a minha admiração pela categoria que esta vilã tem por diversas vezes, como sabem. Não foi incluída nesta lista por uma simples razão: não posso compará-la com vilões que são memoráveis há já muito tempo. Daqui a uma década, reavaliando, talvez já seja justo contá-la nesta lista. Para já... fica de fora. Mas fiquem sabendo que se a tivesse colocado seria seguramente a #3.

#10:
(empate)
HADES ("Hercules")
YZMA ("The Emperor's New Groove")


 Não sendo propriamente estereotipados vilões maléficos, os neuróticos, vaidosos e egoístas Hades e Yzma conseguem ser, cada um à sua maneira, bastante manipuladores, melindrosos e malvados. Os mirabolantes esquemas que engendram, as patetices em que se envolvem mais os seus ridiculamente desajeitados ajudantes e as suas ambições desmedidas não nos deixam, felizmente, levá-los muito a sério, transformando-os em brilhantes antagonistas para os protagonistas dos seus respectivos filmes. Bónus: James Woods e Eartha Kitt conferem uma personalidade poderosa aos seus vilões através das suas características vozes e os toques de génio na entrega das falas revelam-se hilariantes.


#9:
QUEEN OF HEARTS ("Alice in Wonderland")

Desconcertante, rude e com a mania de ser o centro das atenções, a Rainha de Copas não é má per se; ela só gosta que lhe obedeçam. Ou isso... ou cortem-lhes a cabeça. Uma personagem tão peculiar quanto assustadora, psicótica, pomposa e colérica, a Rainha de Copas é uma das vilãs mais originais e estranhas que o universo Disney possui. Acaba por resultar num bom complemento à rebeldia e capacidade imaginativa de Alice, ao ser a primeira pessoa que lhe nega tais comportamentos e devaneios.

#8:
SCAR ("The Lion King")

Ao contrário dos vilões anteriores, Scar é realmente cruel. Alguém que não tem valores nem moral, alguém que atraiçoa tudo e todos - incluindo o irmão e o sobrinho - para chegar aonde quer. Intriguista, mentiroso, corrosivo, de um enganador porte físico, ar irónico e descontraído, Scar é não só o vilão mais fantástico que a Disney tem como também o mais porreiro. Ele é pura e simplesmente frio, desprovido de sentimentos. 
#7:
LADY TREMAINE ("Cinderella")


A vilã mais realista da Disney, Lady Tremaine é, por um lado, uma personagem bastante unidimensional. Por outro lado, funciona na perfeição para o que o filme precisa. Incorporando brilhantemente o estereótipo de madrasta má, Lady Tremaine é uma autêntica bruxa malévola, ambiciosa e sem escrúpulos. Abusiva, terrível e assustadora, de uma elegância e frieza letais, não queria tê-la pela frente, pois pelo que faz a Cinderela, nota-se que é capaz de tudo pelos seus objectivos.

#6:
GASTON ("Beauty and the Beast")


Como antagonista ao duo central de protagonistas em "Beauty and the Beast", Gaston personifica a mensagem principal que o filme quer passar, que a beleza interior é muito mais importante do que o se vê no exterior. Gaston é-nos descrito, numa fase inicial do filme, essencialmente como o homem perfeito, mas vai-nos sendo mostrado que Gaston perde largamente para o Monstro em termos de personalidade, de carácter e de bondade, num fio narrativo que caminha passo a passo com a progressão da relação entre Bela e o Monstro e a descoberta de que o Monstro, afinal, não é o mau da fita.  Gaston é que é. Vil, vulgar, rude, Gaston é uma alma perturbada.

#5:
CRUELLA DE VIL ("101 Dalmatians")


A vilã que mais odiamos amar, Cruella de Vil é uma personificação do mal até no nome. Sem qualquer remoso ou pingo de amabilidade, Cruella só vive para as peles, o seu único conforto, não se importando com nenhum ser vivo, seja pessoa ou animal, a não ser ela. Com um aspecto físico horrendo a combinar com o seu nome ameaçador e o seu semblante arrepiante, Cruella, é como o seu nome diz, verdadeiramente cruel e vil. Histriónica e até cómica (por vezes), icónica e memorável pela sua ferocidade e tenacidade, Cruella é, sem dúvida, uma das mais fenomenais criações da casa Disney.

#4 e #3:
JUDGE FROLLO ("The Honchback of Notre Dame")
EVIL QUEEN ("Snow White")

Sessenta anos separam estes dois lendários vilões Disney e a sua história entrecruza-se de várias formas. Ambos adoptaram o filho de alguém que desprezavam. Ambos se têm em demasiado elevada consideração. Ambos pagam, no final, pelas injustiças e maldades cometidas. E o mais curioso é que cada um, à sua maneira, considera que o que faz é justificado, tal a imersão no seu mundo à parte. Capazes de cometer os piores e mais desumanos actos (como ordenar a queima em praça pública de milhares de inocentes ou mandar matar alguém e arrancar o seu coração como prova), Frollo e a Evil Queen são dois espécimes inacreditáveis, que sucumbiram à corrupção e à sede de poder do mundo.

#2:
URSULA ("The Little Mermaid")


Ursula, a vilã da história, que assume a forma de um intimidativo polvo, que, ao contrário do que se possa pensar, não é só feia, temível e maléfica. É também detentora de um mordaz, negro sentido de humor, de um inesquecível egocentrismo e vaidade (uma verdadeira diva no sentido literal da palavra) e de uma impressionante imaginação que acompanha os seus malvados planos. Uma vilã versátil, que além de mal-intencionada é inteligente e criativa, Ursula é única no universo Disney. Completamente bipolar, miserabilista, vingativa e sedenta de poder, Ursula não olha a meios para atingir os fins, o que faz dela uma das vilãs mais perigosas da história dos estúdios.


#1:
MALEFICIENT ("Sleeping Beauty")

"You thought you could defeat me, the mistress of all evil!"
 
Nunca considerei mais ninguém para o meu lugar cimeiro. Uma vilã de impor respeito a vários dos vilões mencionados acima, quanto mais a meros humanos. O seu aspecto é, por si só, garantia suficiente de medo e susto, com a sua face esverdeada, o seu manto preto e roxo, os seus cornos e os seus lábios carnudos vermelhos. De uma elegância e sofisticação espantosas. A sua gargalhada gélida e maldosa, a sua voz imperial capaz de trespassar qualquer um, a impotência de todos os outros perante o seu óbvio poder e o medo que instiga são, de facto, características inolvidáveis daquela que é a maior vilã da Disney. Maleficient não é como os outros vilões, que agem por causa disto ou daquilo. Ela gosta de ser má. Ela gosta de ser vingativa. Ela gosta de ser o centro das atenções pelas razões erradas. Ela gosta que tenham medo dela. E isso faz uma diferença enorme. Ela é, numa só palavra, a epítome de todo o mal, uma assassina a sangue frio e tudo porque não foi convidada para uma festa.


Agora vocês: qual o vosso top-10 de vilões?

Especial Aniversário: Um mês de aniversariantes!

O nosso mês de celebração do nosso aniversário continua com uma iniciativa especial: 30 dias, 30 filmes, 30 aniversários. Além dos artigos diários que vamos tendo por cá, como habitualmente (se bem que a nossa produção vá baixar, como natural, por ser período de férias), vamos dedicar a nossa atenção a um filme que celebre o seu aniversário em 2011 por dia. Alternando entre eu e o João, seleccionamos cada um quinze filmes para discutir e celebrar. Esperemos que gostem. O primeiro vem dentro de momentos.

Especial Animação: O mundo de ALICE IN WONDERLAND (60º Aniversário)

Nesta semana especial, que abre o mês de festividades, pedimos a amigos próximos e colaboradores de outros blogues que nos ajudassem a abordar um dos nossos temas preferidos: a animação. Todos eles foram limitados a um máximo de dez imagens ou um vídeo para a sua tarefa. Sete dias, sete colaboradores, sete títulos que festejam este ano o início de uma nova década de vida. Muita diversão, emoção e magia é prometida. A ver se cumprimos. 

Continuando a nossa viagem pelos estúdios Disney, a nossa sexta convidada, a Ana Luísa Cardoso, que vem falar de um filme que tanto eu como ela e o Samuel Andrade, o convidado anterior, partilhamos como favorito e que curiosamente festejou 60 anos de vida há dias (28 de Julho): ALICE IN WONDERLAND. Deixo-vos ficar com a Ana, a quem agradeço desde logo ter aceite o convite:

Quando fui informada que teria de escolher imagens que representassem o filme, pensei em escolher imagens de vários momentos, demonstrando as várias personagens (tantas e tão maravilhosas) e as diversas situações (tantas e tão absurdas). No entanto, acabei por me decidir pela queda da Alice na toca do coelho. Afinal, é quando começa a viagem dela e a nossa também; when we go among mad people.


"Alice in Wonderland" é o filme da Disney que mais me lembro de ver na minha infância e aquele que, à medida que ia crescendo, se foi cimentando como o meu filme favorito da Disney. E, sinceramente, duvido muito que alguma vez saia desse lugar.

Para mim ver este filme é, e sempre foi, uma aventura. Uma aventura absurda e maravilhosa. Para uma criança com uma imaginação hiperactiva, este filme era o paraíso: biscoitos que fazem crescer, bebidas que fazem encolher, flores que cantam, exércitos de baralhos de cartas, o gato mais aterrador e fantástico que alguma vez tinha visto, e festa de chá mais mirabolante de sempre.

Em criança, ver "Alice in Wonderland" era despoletar um festival de fogo-de-artifício no meu cérebro. Sentava-me o mais próximo possível da televisão e assistia, maravilhada, àquela miríade de absurdidades sem fim, que me deliciava como nunca. Era como se, de cada vez que o via, descobrisse um pormenor novo. Hoje, ver o filme é como voltar a casa. As situações e personagens, apesar de mirabolantes, são familiares. Com tantas visualizações, acabei por encontrar uma certa ordem no meio de todo aquele caos. Mas o fogo-de-artifício na minha cabeça continua. E suspeito que nunca se vai extinguir.
Penso que descreveste na perfeição o que sentimos ao ver este filme, Ana! Obrigado por teres aceite o convite!

E agora vocês: que pensam do mundo encantado de Alice?

Especial Animação: THE LITTLE MERMAID (1989)



"Watch and you'll see... One day I'll be... Part of your world."


Em busca de renascer de um período negro de parca qualidade a nível dos seus estúdios de animação, a Disney decidiu, em 1989, fazer regressar um dos tipos de histórias mais queridos do seu público-alvo: os contos de fadas. E para isso apostou numa história que já havia passado pelas mãos de Walt Disney e por vários argumentistas dos estúdios mas que havia sido arquivada e descartada. Era uma história baseado num conto algo sombrio de Hans Christian Andersen sobre uma sereia que sacrificava os seus dons mais preciosos para poder viver uma vida normal como humana ao pé do homem que amava. Essa história era, como hoje sabemos, "The Little Mermaid" e seria ela que iria trazer uma nova alma e glória aos velhos estúdios Disney e provocar uma revolução que culminaria no seu período mais inspirado de sempre.


Até em termos do processo de desenvolvimento e produção do filme se nota uma diferente inspiração e positivismo no ar. Howard Ashman e Alan Menken juntaram-se de bom grado ao projecto para produzir uma das melhores bandas sonoras que um filme de animação alguma vez viu; Glen Keane, um dos maiores animadores dos estúdios, que normalmente se dedicava a desenhar e animar figuras mais masculinas e normalmente vilãs pediu veementemente que o deixassem animar a protagonista Ariel. E muitos outros exemplos - se estiverem interessados - podem ser vistos no documentário "Waking Sleeping Beauty", que conta a história da nova era da animação Disney.


"THE LITTLE MERMAID" é, mais que um retorno ao grandes velhos clássicos de animação de outros tempo, uma divertida (diria festiva até) e curiosa aventura repleta de sonhos, de criatividade, de imaginação que nos deixa encantados e hipnotizados. O filme narra a história de Ariel, uma sereia diferente do habitual, cujo sonho era virar humana para poder encontrar-se com o homem que amava, o príncipe Eric, que ela uma vez salvara de morte certa e por quem ele se apaixonou ao ouvir cantar. Claro que tal conto de fadas era impossibilitado pela diferença de espécies de ambos. É aqui que a história do filme diverge do conto de Christian Andersen, criando um fio narrativo secundário no qual nos apresenta a malvada vilã Úrsula, permitindo a Ariel trocar o seu maior dom pela possibilidade de viver uma vida normal como humana. O que Ariel não sabe é que Úrsula deseja o trono do seu pai, Tritão, rei dos sete mares e pretende assim usá-la como moeda de troca.



O que tantas vezes falhou nos filmes dos estúdios que precederam este "The Little Mermaid" é, neste caso, o seu ponto forte: a caracterização das personagens, em especial de Ariel e Úrsula. Ariel é, acima de tudo, uma protagonista realista e credível. Não é uma heroína passiva, que desespera sem nada fazer em busca do seu príncipe encantado e que é impedida, de alguma forma, pelo vilão, de atingir o seu objectivo. Não. Ariel é rebelde, tem defeitos, nem sempre toma as melhores decisões e não aceita injustiças. Ela pensa e age independentemente, o que nos leva desde logo a simpatizar com a sua história e com a sua angústia. Para isso ajuda muito que Ashman e Menken tenham ressuscitado um dos velhos costumes dos grandes clássicos de outrora: a canção central que estabelece o objectivo da protagonista e em que ela nos abre as portas do seu coração. E ajuda sobretudo que essa canção seja "Part of Your World", uma lindíssima balada que nos despedaça o coração pela cintilante e alegre voz de Jodi Benson. 


O outro grande ponto forte é, sem dúvida, o detalhe e o cuidado que os animadores e os argumentistas tiveram em conferir bagagem ao vilão. Úrsula é, também ela, uma personagem realista e completamente formada, com uma história e um fio narrativo bem estabelecidos e, com uma grande actriz e voz por detrás como Pat Carroll, uma brilhante comediante e diva dramática. Cada fala que sai da sua boca é dita com tanta faísca, tão carregada de segundas intenções, que nos faz sorrir mesmo não querendo. E, claro, mais uma vez Ashman e Menken realizam um fabuloso trabalho criando aquela que é, para mim, a melhor canção que a um vilão alguma vez foi permitido cantar num filme da Disney: "Poor Unfortunate Souls". A canção é rica em piadas, em mensagens nas entrelinhas, em poder, força e vigor. Três minutos depois e Úrsula é, perante nós, igual a uma qualquer pessoa que todos nós conhecemos (ou vamos conhecer) ao longo da nossa vida: uma diva diabólica, invejosa, vaidosa, manipuladora, descarada e ambiciosa.



Apesar destes indiscutíveis méritos, o argumento nunca deixa esmorecer o calibre do filme. Inteligente e cheio de reviravoltas mais ou menos inesperadas, tem ainda o mérito extra de nos apresentar mais personagens secundárias que nos envolvem ainda mais no filme, como o stressado e disciplinador caranguejo Sebastião e o alegre e engraçado Linguado (Flounder na versão original) e a distraída e precipitada gaivota Sabidão (Scuttle) que providenciam vários momentos de descontracção e de riso, bastante necessários para dosear os momentos mais sérios da segunda metade da película. A animação, essa, é energética, refrescante, colorida e inovadora, que explora na perfeição os belíssimos cenários marítimos e cria um majestoso e impressionante castelo para o príncipe Eric, conferindo um pano de fundo riquíssimo em termos visuais para a história se desenvolver. Finalmente, voltar a falar (porque nunca é demais) de Howard Ashman e Alan Menken. Prodigiosos talentos da música, Ashman e Menken foram uma verdadeira lufada de ar fresco na animação contemporânea (como se veio a comprovar mais tarde), contribuindo, além da música, com várias ideias e mudanças a nível da animação do filme. "Part of Your World" e "Poor Unfortunate Souls" seriam razão suficiente para aplaudir uma fantástica banda sonora, mas quando esta ainda contém músicas tão inesquecíveis como a contagiante e reggae-esca "Under The Sea", cantada sublimemente por Samuel Wright e as maravilhosas músicas de abertura e encerramento do filme, é um acontecimento mesmo raro.


Muitas vezes se usa descuidadamente as palavras "inspiração" e "êxito" para definir muita coisa na vida. No entanto, no caso de "The Little Mermaid", somos obrigados a admitir: é o clássico da Disney mais orgânico e apaixonado, mais contagiante e envolvente, mais inspirado e revolucionário. Não é por nada que num ano bastante competitivo chegou a ser considerado como um dos grandes candidatos ao Óscar de Melhor Filme (criando o buzz que levaria a que isso acontecesse para o próximo filme da dinastia Disney, "Beauty and the Beast"). E não é por nada que, ainda hoje, muitas crianças se deixem levar e encantar pelas aventuras de uma marota sereia que só queria, na verdade, ser parte do nosso mundo, ser igual a qualquer um de nós.



Nota: 
A-

Ficha Técnica:
Realização: Ron Clements, John Musker
Ano: 1989
Elenco: Jodi Benson, Kenneth Mars, Pat Carroll, Samuel Wright, Rene Auberjonois, Buddy Hackett
Música: Alan Menken, Howard Ashman

Pág. 3/3